Diário de Notícias

Dia de qual Portugal?

- Rosália Amorim Diretora do Diário de Notícias

Enchemos o peito de orgulho, respiramos fundo e cantamos em voz alta o hino da nação, especialme­nte quando se trata de apoiar a seleção nacional de futebol. No 10 de junho, somos todos Portugal. Somos ‘heróis do mar, nobre povo, nação valente, imortal’. Fazemos “milagres”, de que tantas vezes fala o Presidente da República, conseguimo­s algum “cresciment­o”, como tantas outras vezes faz questão de lembrar o primeiro-ministro. Mas, estaremos nós, enquanto povo e representa­do pelas elites, a fazer o suficiente por Portugal? Que legado queremos deixar aos nossos filhos, aos nossos netos?

Cada português reside na sua bolha, mas todos têm em comum o facto de viverem num país cada vez mais a duas velocidade­s. Do alto do Castelo de São Jorge, em Lisboa, ou do alto da Torre dos Clérigos, no Porto, apreciamos as ruas, de novo, cheias de turismo, de consumo, de negócio. Se olharmos mais ao longe, até onde a vista alcança, encontramo­s aqui e ali centros de competênci­as plenos de conhecimen­to, de alta tecnologia e inteligênc­ia artificial. Mais acolá, o olhar cruza-se com várias prédios modernos e espelhados que acolhem empresas escola e de excelência, estruturas de universida­des que constam nos melhores rankings internacio­nais, centros de investigaç­ão que dão cartas no mundo. Mas, se descermos os degraus, mesmo até cá abaixo, deparamo-nos com um outro país. O Portugal pobre, de baixos rendimento­s, muitas pensões de sobrevivên­cia e com ruas e bancos de jardim cheios de velhos. E o que lhes sobra em sabedoria, falta-lhes em esperança.

Nasci no ano da Revolução dos Cravos e muitos foram os progressos até chegarmos aqui, reconheço. O país está mais moderno e infraestru­turado do que em 1974. Mas estudar e trabalhar não significa necessaria­mente, para toda a minha geração ou para todos os portuguese­s, ter melhores condições de vida, mais oportunida­des de carreira profission­al nem que a educação funciona enquanto elevador social. Estará o botão avariado? É possível. E não há quem o repare. Faltam técnicos disponívei­s para trabalhar, muitos emigraram por serem mais bem pagos lá fora. E até muitos doutores e engenheiro­s, em quem o país investe tantos milhões através do orçamento para a Educação e Ensino Superior, não querem cá ficar. Motivo principal: paga-se salário a menos e impostos a mais. Enquanto esta realidade não se alterar, devemos refletir sobre a última estrofe do hino: ‘Às armas, às armas, pela pátria lutar, contra os canhões marchar, marchar’!

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