Gangues juvenis. Neste ano PJ já registou o triplo de homicídios e tentativas
A escalada de violência entre grupos rivais envolvendo jovens, no ano passado, já tinha levado o ministro da Administração Interna a preparar a criação de uma equipa especial pluridisciplinar. Uma medida cuja oportunidade é confirmada pela evolução desse
Entre janeiro e maio deste ano a Polícia Judiciária (PJ) registou um total de 64 homicídios e tentativas de homicídio na Área Metropolitana de Lisboa (AML), dos quais 18 – mais de um terço – estavam relacionados com conflitos entre gangues que integram menores de idade, alguns até com menos de 16 anos. Foram detidos 25 suspeitos dos 16 aos 25 anos. Trataram-se de situações de elevada violência, envolvendo armas de fogo e/ou armas brancas. De acordo com fonte oficial da PJ, em igual período de 2021 a relação foi de cinco homicídios envolvendo estes grupos, num total de 47 investigados pela Diretoria de Lisboa eVale do Tejo da PJ, ou seja, apenas cerca de 10%.
“Podemos concluir que o aumento de 36% no total de homicídios nesta área da Grande Lisboa se deve, principalmente, a este fenómeno da criminalidade destes grupos”, sublinha a mesma fonte. A PJ não faz a distinção entre homicídio tentado e consumado do ponto de vista da investigação criminal e estas situações têm a classificação de “prioridade máxima de investigação”, garante a direção nacional. “São múltiplos os casos de esfaqueamentos, de tiros de caçadeira e shotguns que só por sorte não resultaram em morte em alguns dos casos”, explica a fonte da direção nacional. Entre os que vieram a morrer está Isaac Oliveira, 16 anos, morto a tiro em fevereiro, em Camarate, no “contexto de violência grupal”, segundo sublinha a PJ no comunicado difundido na quarta-feira a dar conta da detenção de quatro dos presumíveis autores, com idades entre os 17 e os 26 anos. Um crime que, segundo esta polícia, “foi previamente planeado”. Isaac foi baleado a partir de um carro em movimento em plena via pública e fazia parte do gangue K26, da localidade de Fetais/Camarate, em crescendo de conflito com o grupo PDS, do Lumiar, tendo um dos elementos deste sido antes também vítima de esfaqueamento por parte dos K26.
“O jogo de vinganças e contra vinganças, tendo as redes sociais como palco de desafio constantes através de combates de hip-hop e drill tornou-se comum, chegando ao ponto de haver vídeos doYouTube com letras que expressam uma enorme violência nas quais até dizem o nome de quem será o próximo a abater”, assinala uma fonte policial que tem estado a acompanhar este fenómeno.
De acordo ainda com a análise feita pela Judiciária, os 25 detidos pertencem a seis gangues diferentes que estiveram mais ativos neste período, com origem em Queluz/Cacém, Amadora, Quinta do Mocho/Sacavém, Talaíde/Cascais, Lumiar e Fetais/Camarate. Conforme o DN noticiou, a PJ abriu guerra a estes grupos desde início do ano passado, tendo detidos um total de 153 suspeitos, dos quais cerca de 40% ficaram em prisão preventiva.
Tal como o DN já deu conta, a escalada de violência entre grupos rivais envolvendo jovens, no ano passado, já tinha levado o ministro da Administração Interna a preparar a criação de uma equipa especial pluridisciplinar. Uma medida cuja oportunidade é confirmada pela evolução desse fenómeno já este ano. José Luís Carneiro já tinha indícios que ,“apesar de a taxa de criminalidade geral registada nos primeiros quatro meses de 2022 ser inferior à do período homólogo de 2019 (pré-pandemia), o que tem ocorrido nestes meses indicia ser praticada com maior severidade”.
O ministro “está consciente de que estes fenómenos – que incluem os que se integram no âmbito da delinquência juvenil – constituem um desafio que ameaça a tranquilidade social e exigem um esforço acrescido na adoção de soluções adequadas, pelo que está a criar uma equipa de trabalho interdisciplinar para análise destes fenómenos e envolvendo diferentes áreas governativas”.
Nesta quarta-feira, o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, PauloVizeu Pinheiro, coordenou uma reunião extraordinária sobre a criminalidade dos gangues juvenis nas suas instalações. Além de José Luís Carneiro, estiveram ainda presentes o secretário de Estado da Justiça, a secretária de Estado da Administração Interna e dirigentes da PJ, GNR e PSP. Vizeu Pinheiro criou já em novembro do ano passado uma equipa mista, com estas forças de segurança e os serviços de informações para troca de informação e sobre esta realidade. O facto de as polícias terem por vezes critérios diferentes no registo dos casos tem dificultado a conclusão de um retrato rigoroso sobre a evolução do fenómeno.
O que parece ser consensual é que, de facto, está em recrudescimento este ano, o que é corroborado pela própria Procuradoria-Geral da República. “Embora não disponha de dados quantitativos consolidados de 2022, os primeiros indicadores apontam para um substancial aumento das entradas dos inquéritos tutelares educativos (menores dos 12 aos 16 anos) por comparação com o período homólogo de 2021. Do mesmo modo, os dados oficiais disponíveis revelam um aumento, a partir de abril de 2021, de internamentos em centro educativo”, afiança o gabinete de Lucília Gago.
O Relatório Anual de Segurança Interna de 2021 indica que os crimes cometidos por jovens entre os 12 e os 16 anos subiram 7,3% em 2021, o segundo maior aumento da década, acompanhado um crescimento de 7,7% da criminalidade grupal. Salienta ainda este relatório que se encontram “identificados grupos de jovens com um vasto historial criminoso centrado essencialmente na prática de roubo e ofensa à integridade física grave”, associados, em 2021, a cerca de 30 gangues só na AML, cujas infrações principais vão desde “dano com violência a detenção de arma proibida, homicídio, roubo e sequestro” numa “atividade sobretudo noturna”.
Nesta quarta-feira, o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna coordenou uma reunião extraordinária sobre a criminalidade dos gangues juvenis.