Porque é que ninguém quer ir trabalhar para o Algarve?
Rendas altas, custo de vida elevado, poucos incentivos e falta de condições de trabalho ou de progressão na carreira são algumas das razões apontadas para que médicos ou enfermeiros não queiram ir trabalhar ou fixar-se na região mais a sul do país.
Apergunta é simples: por que é que ir trabalhar para uma unidade de saúde na região do Algarve não é atrativo? E a resposta também: “O custo de vida é elevado e as pessoas ganham o mesmo que em qualquer outro lado e, assim, preferem não sair das suas zonas de conforto”, explicam autoridades de saúde e profissionais. As soluções arranjadas não têm funcionado. A situação está identificada há muitos anos e há que pensar de forma diferente. Os números não enganam.
A região do Algarve tem 1222 médicos nos quadros hospitalares e no dos cuidados primários, mas precisa de muitos mais. Quantos? Ninguém soube dizer ao certo, porque cada instituição faz as suas contas, mas todos sabem que estes quadros estão longe de estar completos, sobretudo quando se fala de médicos e enfermeiros, mas também de profissionais de outras áreas. Basta referir que, neste momento, o Algarve é a região do país que, a par de Lisboa, tem mais utentes sem médicos de família e é também a que menor rácio de enfermeiros tem por mil habitantes. “Só na área de cuidados primários estima-se que sejam necessários mais 600 enfermeiros”, refere ao DN a dirigente nacional do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, Guadalupe Simões.
Segundo dados do Portal da Transparência, a região integra quase sete mil funcionários de todas as áreas nos quadros das unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS), mais precisamente 6966. Destes, 1222 são médicos – 844 do CHUA, 480 graduados e 364 internos – e 378 dos cuidados primários, em que 301 são médicos graduados e 77 internos. Do lado lado dos enfermeiros, há no total 1513, 1027 no CHUA e 526 nos cuidados primários.
O presidente da Administração Regional de Saúde do Algarve (ARSA) diz mesmo que a escassez de recursos humanos é a maior preocupação da região, com a agravante de que este ano e no próximo há muitos médicos a atingir a idade da reforma. Por isso, diz a presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Universitário do Algarve, AnaVarge Gomes, “nada se faz sem recursos humanos”. “Um programa de verão? É muito bonito, compreendemos que as pessoas se lembrem de nós nesta altura, sabemos que o Algarve é a estância de férias do país, mas são precisos recursos para darmos respostas.”
Mobilizar profissionais de um lado para o outro não funciona
Paulo Morgado considera que têm sido assumidas várias soluções para se tentar fixar profissionais na região, até a nível central, mas até agora estas não têm dado grandes frutos.
“A questão da mobilização de pessoas de outras regiões para trabalharem no Algarve é uma ilusão. É um fenómeno que não acontece, sobretudo por um período de um ou dois meses”, argumenta. O que “até parece incrível”. “Como é que as pessoas não querem vir trabalhar para uma região que é considerada das que tem mais qualidade de vida no país?”, questiona.
“Ou os profissionais têm um incentivo do ponto de vista económico que faça frente ao aumento do custo de vida que têm – e isso até pode ser calculado, porque é público quanto custa a vida no Algarve e em outros sítios do país – ou não os conseguimos fixar.”
Ana Varge Gomes, Presidente do CHUA
No entanto, todos sabem que nem só de bom clima e ambiente vivem os profissionais. AnaVarge Gomes é até muito taxativa nesta questão: “É difícil porque as pessoas que chegam ao Algarve vêm ganhar exatamente o mesmo que ganham em Trás-os-Montes e o custo de vida aqui é muito mais elevado. Arrendar uma casa aqui custa muito mais do que no norte, e com outras agravantes. As casas são alugadas de outubro a junho, chega a esta altura as pessoas ficam na rua. E isto não faz sentido. Este tem sido um dos grandes problemas”. “Se o custo de vida é mais elevado numas regiões do que noutras, não se pode pagar o mesmo em todas. Se calhar mil euros em Viseu dá uma qualidade de vida boa, mas no Algarve não dá para se sobreviver, quando uma pessoa tem de pagar logo à partida 800 euros e mais pela renda de uma casa modesta. Vivem com 200 euros ou pouco mais o resto do mês? E se já tiverem filhos, como é?”, acrescenta.
Para a médica, os incentivos que têm existido não são suficientes, considerando até que o maior incentivo é mesmo “mais trabalho”, e que esta política de fixação tem de ser pensada a nível central e olhando para o aumento do custo de vida e da habitação. “Se calhar é preciso olhar para o país. E, em vez de termos uma política de funções iguais e salários iguais, devemos olhar para a realidade, porque com esta política não se consegue o melhor para a saúde”, justificando: “Se queremos fixar as pessoas temos de lhes dar condições. Ou os profissionais têm um incentivo do ponto de vista económico que faça frente ao aumento do custo de vida que têm – e isso até pode ser calculado, porque é público quanto custa a vida no Algarve e em outros sítios do país – ou não os conseguimos fixar”.
Ana Varge Gomes dá até o exemplo de muitos profissionais de enfermagem do CHUA: “Temos muitos que vêm do norte, mas à primeira oportunidade, quando abrem vagas, regressam. É legítimo. Muitos têm lá família e o custo de vida é mais barato”.
Em relação aos internos, é certo e sabido que a maioria regressa às origens, às cidades onde fizeram formação ou onde têm família. O presidente da ARSA confirma que “é difícil as pessoas saírem da sua zona de conforto”. A dificuldade também passa por aí, porque “uma parte muto significativa dos profissionais de saúde, sobretudo médicos, mas também de outras classes, é formada nos grandes centros do país, Lisboa, Porto e Coimbra, e é muito difícil reter um profissional que faz toda a sua formação numa região, não só o curso de Medicina, que são seis anos, mas até a própria especialidade e, quando a termina, muitas vezes, já construiu laços e compromissos familiares”. Portanto, “quando abrem vagas para o Algarve alguns nem concorrem e ficam à espera que abra uma vaga na zona onde se formaram. Alguns ainda vêm, estão algum tempo, mas depois tendem a retornar”.
Incentivos devem ir da formação à habitação
Por isso defende que uma das apostas para fixar profissionais de saúde no Algarve tem de ter em conta a formação. “É preciso apostar na formação onde as pessoas fazem falta, porque elas fixam-se normalmente onde se formam”, refere Paulo Morgado. “O Algarve já tem uma universidade com o curso de Medicina e já conseguimos reter a maior parte dos médicos que ali são formados”.
À pergunta se o que está a defender é o aumento do número de vagas neste curso, que tem como critério de candidatura alunos que já tenham outra licenciatura, Paulo Morgado esclarece: “O curso é tão bom como qualquer outro e não tem falta de candidatos, mas são precisos mais”.
O dirigente da ARSA diz que os municípios da região já perceberam que para resolver o problema dos recursos é preciso apostar na formação e todos, em conjunto, decidiram apoiar a UNA, com um projeto de financiamento que prevê o alargamento das vagas para o curso de Medicina. O projeto “está definido e aprovado. E nos próximos anos vamos poder contar com um alargamento significativo das vagas neste curso. É um projeto que foi muito acarinhado por toda a região para o futuro e acreditamos que conseguiremos fixar todos os que aqui se quiserem formar. Temos a garantia de conseguir fixar 75% das pessoas.”
Paulo Morgado admite que a situação levará tempo a resolver, porque “não há varinhas mágicas”. “Se fosse fácil já tinha sido resolvida. É uma questão que tem muito a ver com a vida de cada um e com a forma como projetam a sua vida”, não se podendo continuar a querer obrigar as pessoas a virem para o Algarve. “Esse tipo de solução não é viável”.
Aliás, basta olhar para as várias tentativas que têm sido feitas ao longo do tempo para reforçar as equipas e a resposta durante as épocas de verão. Durante anos tentou-se até a mobilização de profissionais que se oferecessem voluntariamente para fazerem este período de verão, desde que tivessem a anuência das instituições em que trabalhavam, “e tal nunca funcionou”.
Já há alguns incentivos: “as pessoas em vez de começarem com um ordenado base da carreira médica começam com mais 40% de remuneração, o que já é significativo, até porque isto não existe para outras áreas na Função Pública”. “Mas será suficiente? Diria que para alguns casos sim, para outros não”, afirma, reconhecendo também que a questão da habitação é um dos grandes problemas, pelo que defende “a existência de um apoio direto à habitação”.
“Penso que seria uma solução. Agora, se este apoio é específico no ordenado ou se é dado de outra forma terá de ser a tutela a ver o que pode ser feito até do ponto de vista legislativo”. Este é um dos pontos que é mais referido pelos profissionais e que tem de ser resolvido.