A França escassa de ideias
Emmanuel Macron quer uma França moderna, que seja líder da Europa, e a verdade é que apesar das muitas críticas, internas e externas, e de uma certa ausência de resultados, foi já eleito duas vezes presidente com base nessas promessas tão vagas como ambiciosas; e a acreditar nas últimas sondagens, a aliança de partidos sob sua obediência também deverá obter a maioria nas legislativas, das quais hoje se realiza a primeira volta.
Ora, estas legislativas, que ocorrem dois meses depois das presidenciais, são sobretudo uma espécie de referendo ao macronismo, com um segundo referendo anexado, o que diz respeito às ambições de Jean-Luc Mélenchon de liderar a esquerda e quem sabe chegar a primeiro-ministro. Macron contra Mélenchon, pois, como nas presidenciais foi Macron contra Marine Le Pen, a chefe da extrema-direita.
Que eleições em França, mesmo as legislativas, sejam na realidade sintetizadas no duelo político entre figuras fortes não é nada de novo. Ficou célebre a rivalidade entre François Mitterrand e Jacques Chirac, com o primeiro a ter, enquanto presidente, de coabitar com o segundo como chefe do governo ou, depois, entre Chirac e Lionel Jospin, com a coabitação de rivais a repetir-se.
Mas os duelos entre expoentes dos partidos não significavam a ausência de projetos políticos concorrentes nas legislativas. E agora, na verdade, o voto é para decidir se Macron conta com nova maioria absoluta ou se, pelo contrário, o seu campo centrista perde terreno e a coligação de esquerda consegue apoio popular para pôr Mélenchon como primeiro-ministro, forçando uma complicadíssima coabitação. As sondagens admitem, em extremo, que os macronistas podem falhar a maioria absoluta, mas não preveem a hipótese de uma vitória da esquerda em termos de deputados, por muito que Mélenchon venha com grande entusiasmo das presidenciais, nas quais foi o terceiro mais votado e só por pouco não substituiu Le Pen na ronda decisiva.
Se Macron representa um certo centrismo reformista, até um certo liberalismo, e claramente o europeísmo, já a coligação em redor de Mélenchon é uma manta de retalhos, com socialistas, comunistas e ecologistas e juntarem-se à França Insubmissa, por ser a única hipótese de salvação nas urnas. Por seu lado, a extrema-direita deverá voltar a perder fôlego depois da exibição de força nas presidenciais, com o seu discurso antissistema a não ser visto como um programa de governo. Quanto à direita clássica, mostrou inesperada fraqueza nas presidenciais e agora o melhor que pode esperar é manter um núcleo duro de deputados com grande enraizamento local e aproveitar a boleia do poder se os macronistas precisarem de aliados para colmatar uma eventual falta de deputados para terem a maioria absoluta.
Ideias em debate até existem, com Mélenchon a propor algumas medidas em oposição total ao presidente (como a redução da idade de reforma), mas na realidade são vistas como tão pouco cativantes pelo eleitorado francês que existe a possibilidade de a abstenção ser recorde. Não é bom para a França, nem muito inspirador para o resto da Europa. E tudo isto deixa no ar a suspeita de que Macron ganha sobretudo porque à sua volta está um estranho deserto.