Centeno desdramatiza subida dos juros das dívidas soberanas
BCE prepara mecanismo para acalmar ânimos nos mercados de dívida publica. Em causa um instrumento “antifragmentação” para evitar grandes diferenças de juros entre países do norte e sul.
Aúltima crise das dívidas soberanas deixou traumas na Zona Euro, incluindo Portugal que teve de chamar a troika. Mas para o governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, a recente subida dos juros das dívidas públicas não é motivo para preocupações. Na apresentação do Boletim Económico de junho, Centeno não só desdramatizou a questão como realçou a confiança nas capacidades do Banco Central Europeu (BCE).
O BCE reuniu ontem de emergência os governadores dos bancos centrais dos países da moeda única para serenar eventuais tensões, na sequência da subida das taxas de juro das dívidas soberanas, após a autoridade do euro ter anunciado o fim da política de compra de ativos. Só os juros associados aos títulos da dívida portuguesa ultrapassaram a fasquia dos 3%, algo que não se via desde 14 de julho de 2017. Após a reunião, a presidente do BCE, Christine Lagarde, fez saber que está na calha um instrumento para conter os juros e prometeu “flexibilidade” na hora de reinvestir as obrigações adquiridas.
Ora, após a apresentação das projeções do BdP para a economia nacional até 2024, que decorreu depois da reunião do BCE, o DN/DinheiroVivo questionou Centeno sobre se considerava preocupante a evolução das taxas de juro das dívidas soberanas, tendo em conta o quadro geral (guerra, inflação, disrupções nas cadeias de abastecimento), e se Portugal estará preparado para uma eventual escalada. “Não sei se a palavra preocupar é a palavra adequada”, respondeu.
O governador explicou que o que o BCE anunciou consiste na normalização da política monetária, algo que estava a ser preparado desde “dezembro, há mais de seis meses”. “O BCE, quando decidiu dar início ao processo de normalização da política monetária, anunciou que, após terminar o período de compras líquidas no âmbito do programa de emergência [vulgo PEPP, criado durante a pandemia], estaria disponível para usar os reinvestimentos que decorrem desse programa com flexibilidade para responder a eventos que pudessem resultar em riscos de fragmentação na área euro. É essa a resposta que está, agora, a ser avançada”, argumentou.
Mário Centeno reforçou que o que está a ser preparado é um novo instrumento “antifragmentação”, em paralelo com a normalização da política monetária, a fim evitar diferenças significativas entre os juros das dívidas de países do sul da Zona Euro, como Portugal, Espanha, Grécia e Itália, e os países do norte.
O governador do banco central escusou-se a detalhar as características do novo instrumento, uma vez que ainda está a ser desenvolvido. Apenas salientou que “não se trata de um processo de normalização em si, trata-se apenas de criar condições para que o processo de normalização se possa concretizar, para evitar riscos de fragmentação”.
A par desse instrumento, Centeno referiu que o BCE tem “instrumentos, precisamente, para prevenir escaladas de taxas [de juro] para além daquilo que são os fundamentos das economias e das decisões que o BCE tomou fariam antecipar”. Centeno disse mesmo que os instrumentos do BCE “funcionam quase como seguros” e que “a sua existência proporciona indicações ao mercado daquilo que é a disponibilidade e a disposição do BCE para atuar”.
“E essa disciplina pode ser suficiente para induzir um comportamento ao mercado”, acrescentou. Ou seja, para o governador, a situação ainda está sob o controlo do BCE e, tendo em conta “as lições do passado”, “não haverá hesitação” da autoridade bancária da Zona Euro para atuar de forma efetiva.
Não obstante, há um “gradualismo” associado à normalização da política monetária. Ou seja, a atuação do supervisor tem de ser “adaptada à evolução das condições monetárias e financeiras”.
“Quando iniciamos um processo de subida de taxas, temos de entender que vai durar no tempo e vai ter de acomodar estas preocupações”, referiu aquele que foi o primeiro ministro das Finanças de António Costa.
Mário Centeno não especificou o caso de Portugal, mas quando questionado sobre se o atual contexto macroeconómico coloca em causa a meta do governo de reduzir a dívida pública para 120,7% do Produto Interno Bruto (PIB), o governador do BdP mostrou-se, também aí, confiante.
“Esse é um objetivo que se persegue e materializa desde 2017, com exceção de 2020 devido à pandemia. E não só me revejo, como acho que se têm reforçado as condições para cumprir os objetivos orçamentais estabelecidos para 2022”, afirmou. Ainda assim lembrou que esse é também um objetivo que não se encerra só este ano: “É um objetivo de médio prazo. Vai estar connosco bastantes anos”.
Ontem o BdP apresentou novas projeções para a economia nacional até 2024. A equipa de Centeno reviu em alta o crescimento da economia nacional para 2022, estimando uma aceleração do PIB de 6,3%. No entanto, o regulador da banca antecipou uma desaceleração da economia a partir do segundo trimestre do ano, o que levou ao corte da projeção para 2023. Também a taxa de inflação foi revista em alta de 4% para 5,9% em 2022.