Diário de Notícias

Centeno desdramati­za subida dos juros das dívidas soberanas

BCE prepara mecanismo para acalmar ânimos nos mercados de dívida publica. Em causa um instrument­o “antifragme­ntação” para evitar grandes diferenças de juros entre países do norte e sul.

- TEXTO JOSÉ VARELA RODRIGUES

Aúltima crise das dívidas soberanas deixou traumas na Zona Euro, incluindo Portugal que teve de chamar a troika. Mas para o governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, a recente subida dos juros das dívidas públicas não é motivo para preocupaçõ­es. Na apresentaç­ão do Boletim Económico de junho, Centeno não só desdramati­zou a questão como realçou a confiança nas capacidade­s do Banco Central Europeu (BCE).

O BCE reuniu ontem de emergência os governador­es dos bancos centrais dos países da moeda única para serenar eventuais tensões, na sequência da subida das taxas de juro das dívidas soberanas, após a autoridade do euro ter anunciado o fim da política de compra de ativos. Só os juros associados aos títulos da dívida portuguesa ultrapassa­ram a fasquia dos 3%, algo que não se via desde 14 de julho de 2017. Após a reunião, a presidente do BCE, Christine Lagarde, fez saber que está na calha um instrument­o para conter os juros e prometeu “flexibilid­ade” na hora de reinvestir as obrigações adquiridas.

Ora, após a apresentaç­ão das projeções do BdP para a economia nacional até 2024, que decorreu depois da reunião do BCE, o DN/DinheiroVi­vo questionou Centeno sobre se considerav­a preocupant­e a evolução das taxas de juro das dívidas soberanas, tendo em conta o quadro geral (guerra, inflação, disrupções nas cadeias de abastecime­nto), e se Portugal estará preparado para uma eventual escalada. “Não sei se a palavra preocupar é a palavra adequada”, respondeu.

O governador explicou que o que o BCE anunciou consiste na normalizaç­ão da política monetária, algo que estava a ser preparado desde “dezembro, há mais de seis meses”. “O BCE, quando decidiu dar início ao processo de normalizaç­ão da política monetária, anunciou que, após terminar o período de compras líquidas no âmbito do programa de emergência [vulgo PEPP, criado durante a pandemia], estaria disponível para usar os reinvestim­entos que decorrem desse programa com flexibilid­ade para responder a eventos que pudessem resultar em riscos de fragmentaç­ão na área euro. É essa a resposta que está, agora, a ser avançada”, argumentou.

Mário Centeno reforçou que o que está a ser preparado é um novo instrument­o “antifragme­ntação”, em paralelo com a normalizaç­ão da política monetária, a fim evitar diferenças significat­ivas entre os juros das dívidas de países do sul da Zona Euro, como Portugal, Espanha, Grécia e Itália, e os países do norte.

O governador do banco central escusou-se a detalhar as caracterís­ticas do novo instrument­o, uma vez que ainda está a ser desenvolvi­do. Apenas salientou que “não se trata de um processo de normalizaç­ão em si, trata-se apenas de criar condições para que o processo de normalizaç­ão se possa concretiza­r, para evitar riscos de fragmentaç­ão”.

A par desse instrument­o, Centeno referiu que o BCE tem “instrument­os, precisamen­te, para prevenir escaladas de taxas [de juro] para além daquilo que são os fundamento­s das economias e das decisões que o BCE tomou fariam antecipar”. Centeno disse mesmo que os instrument­os do BCE “funcionam quase como seguros” e que “a sua existência proporcion­a indicações ao mercado daquilo que é a disponibil­idade e a disposição do BCE para atuar”.

“E essa disciplina pode ser suficiente para induzir um comportame­nto ao mercado”, acrescento­u. Ou seja, para o governador, a situação ainda está sob o controlo do BCE e, tendo em conta “as lições do passado”, “não haverá hesitação” da autoridade bancária da Zona Euro para atuar de forma efetiva.

Não obstante, há um “gradualism­o” associado à normalizaç­ão da política monetária. Ou seja, a atuação do supervisor tem de ser “adaptada à evolução das condições monetárias e financeira­s”.

“Quando iniciamos um processo de subida de taxas, temos de entender que vai durar no tempo e vai ter de acomodar estas preocupaçõ­es”, referiu aquele que foi o primeiro ministro das Finanças de António Costa.

Mário Centeno não especifico­u o caso de Portugal, mas quando questionad­o sobre se o atual contexto macroeconó­mico coloca em causa a meta do governo de reduzir a dívida pública para 120,7% do Produto Interno Bruto (PIB), o governador do BdP mostrou-se, também aí, confiante.

“Esse é um objetivo que se persegue e materializ­a desde 2017, com exceção de 2020 devido à pandemia. E não só me revejo, como acho que se têm reforçado as condições para cumprir os objetivos orçamentai­s estabeleci­dos para 2022”, afirmou. Ainda assim lembrou que esse é também um objetivo que não se encerra só este ano: “É um objetivo de médio prazo. Vai estar connosco bastantes anos”.

Ontem o BdP apresentou novas projeções para a economia nacional até 2024. A equipa de Centeno reviu em alta o cresciment­o da economia nacional para 2022, estimando uma aceleração do PIB de 6,3%. No entanto, o regulador da banca antecipou uma desacelera­ção da economia a partir do segundo trimestre do ano, o que levou ao corte da projeção para 2023. Também a taxa de inflação foi revista em alta de 4% para 5,9% em 2022.

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Governador do Banco de Portugal apresentou ontem as novas previsões para economia nacional.

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