Diário de Notícias

CIÊNCIA VINTAGE

Na década de 1930, soou a notícia a partir da África do Sul. Fora capturado um exemplar de celacanto, uma classe de peixes que se julgava extinta há mais de 60 milhões de anos, assim o ditavam os registos fósseis. Nas décadas seguintes, iniciou-se a procu

- TEXTO JORGE ANDRADE

Achamada telefónica agitou de curiosidad­e a jovem naturalist­a sul-africana Marjorie Courtenay-Latimer. Do outro lado da linha soava a voz do capitão Hendrik Goosen, a partir das margens do rio Chalumna. Nas redes de pesca agitava-se um peixe de escamas iridescent­es, mais de um metro de compriment­o e com perto de 50 Kg. Marjorie, então com 24 anos, laborava desde 1931 no modesto Museu de East London, no sueste da África do Sul, onde ingressara fruto da grande paixão que, desde a infância, dedicava ao mundo natural, em particular às aves. Goosen, capitão numa embarcação de pesca de arrasto, tinha indicações de Marjorie para soar o alerta sempre que capturada uma espécie marinha incomum. A 22 de dezembro de 1938, nas margens do rio Chalumna, Marjorie teve o seu primeiro encontro com uma criatura saída de um compêndio de paleontolo­gia. Sobre a mesma escreveria, mais tarde, a naturalist­a na carta que remeteu ao ictiólogo sul-africano James Smith: “Afastei o lodo para revelar o peixe mais belo que já vi. De um azul-malva pálido, com leves tons esbranquiç­ados. Nele há um brilho iridescent­e de prata, azul-esverdeado. O espécime cobre-se de escamas duras, apresenta quatro barbatanas semelhante­s a membros e uma barbatana caudal semelhante à de um cão”.

O espécime aquático que a naturalist­a transporto­u num táxi até ao museu onde laborava pertencia a uma classe de peixes com barbatanas lobadas que se considerav­a extinta há mais de 60 milhões de anos.

Até à primeira metade do século XX, do celacanto apenas se conheciam registos fósseis, os mais antigos a remontarem ao período Devoniano, há cerca de 400 milhões de anos. De súbito, no Cretáceo Superior, as espécies celacantif­ormes, desaparece­ram dos registos fósseis, presumindo-se extintas no evento cataclísmi­co que eclipsou os dinossauro­s.

Na manhã de 22 de dezembro de 1938, Marjorie Courtenay-Latimer desconheci­a o facto de transporta­r um exemplar de um peixe ósseo, na época considerad­o um parente próximo dos primeiros seres a saírem da água, o que deu origem a um novo grupo de vertebrado­s terrestres, os tetrápodes, dotados de quatro membros.

Gravado nas rochas devonianas, os exemplares de celacanto intrigavam a comunidade científica nas primeiras décadas do século XIX. Coube ao suíço Louis Agassiz, naturalist­a e geólogo, apadrinhar de nome e descrever o celacanto na sua obra de 1839, Poissons Fossiles, um peixe com a presença de barbatanas pares, peitorais e pélvicas, semelhante­s a membros dos tetrápodes, que se agitariam no seio marinho em movimentos idênticos aos daquelas criaturas.

Intrigada face ao exemplar que carregara para o museu, Marjorie pesquisou, sem sucesso, nos arquivos da instituiçã­o, o que a levou a procurar a ajuda de James Smith, químico orgânico, amador de ictiologia, professor na Universida­de de Rhodes, na África do Sul. Ausente, em Londres, o académico recebeu de Marjorie uma carta com um tosco esboço do exemplar na posse do Museu de East London.

Volviam dois meses sobre a data da descoberta da criatura que enfrentava o risco de apodrecime­nto. A naturalist­a entregara o ser marinho aos cuidados de um taxidermis­ta. Na capital inglesa, a 10 000 Km de East London, em fevereiro de 1939, James Smith colocou pela primeira vez a hipótese de se estar perante um exemplar de uma classe de peixes cuja linha evolutiva mergulhava diretament­e 400 milhões de anos no passado.“Era como se um dinossauro tivesse ganho novamente vida à minha frente”, escreveu Smith na resposta à missiva da jovem colega sul-africana.

Havia, contudo, que provar a linhagem do exemplar então capturado que, especulava John Smith, viria de águas quentes mais a norte, tresmalhad­o do seu habitat natural. No seu país natal, John Smith iniciou uma busca que superaria uma década, a de encontrar um segundo exemplar de celacanto. Para isso, o ictiólogo criou uma rede de informador­es em diferentes países da orla do Oceano Índico.

Em 1952, ecoou o alerta desde o arquipélag­o das Comores, a leste do continente africano. Um segundo exemplar de celacanto fora capturado. O tempo urgia, havia que examinar o animal antes de se dar a degradação das suas vísceras. A missão mobilizou um avião militar sul-africano. As atribulaçõ­es da nave para sobrevoar o espaço aéreo de Moçambique, ali aterrar no intuito de reabastece­r e a premência de reivindica­r para a África do Sul a descoberta do celacanto, são-nos descritas no livro de 1999, A Fish Caught in Time: The Search for the Coelacanth,

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal