Bertie Gregory A selva aqui ao lado
Gosta de contar histórias para nos mostrar que a natureza não é um destino de férias, mas um elemento essencial à nossa sobrevivência. O documentarista Bertie Gregory esteve em Lisboa, na National Geographic Summit 2022, e, entre outras coisas, falou-nos do seu animal preferido.
Assume a paixão pela selva urbana, mas não no sentido metafórico com que habitualmente usamos a expressão. Bertie Gregory anda pelas cidades do Reino Unido (como Bristol, onde nasceu, ou Londres) e de outras partes do mundo (como Bombaim, na Índia) e deixa-se surpreender pela pujança da vida selvagem que coexiste, quase imperceptível, com milhões de seres humanos demasiado curvados sobre os seus smartphones.
São essas as histórias que gosta de contar nos documentários que filma, fotografa, e por vezes apresenta, como Seven Worlds, One Planet (para a BBC), WildLife: Ressurection Island ou WildLife: The Big Freeze (ambas séries para o canal online da National Geographic). Aos 28 anos, já trabalhou com o mítico David Attenborough e foi distinguido com um BAFTA, da Academia britânica de Cinema. Gosta de trabalhar em situações extremas e medo mesmo só tem de uma espécie. Adivinhem qual.
Veio a Lisboa falar sobre a existência de vida selvagem em algumas das maiores cidades do mundo, como Londres ou Bombaim. É algo inesperado para nós, europeus, habituados a ver documentários sobre o tema filmados em lugares remotos. Como é que começou a trabalhar nestas histórias?
De maneira muito simples. Como membro do projeto 2020VISION, fui encarregue de fotografar a vida selvagem urbana. Admito que fiquei um tanto desapontado porque teria de percorrer as ruas muito movimentadas de Londres ou Bristol enquanto os meus colegas nadavam com focas na costa da Cornualha ou fotografavam o javali selvagem na Floresta de Dean, no Gloucestershire. Mas não tardei a apaixonar-me pela selva urbana e julgo que demonstrei que as cidades, por mais povoadas que sejam, podem proporcionar experiências muito interessantes a quem se interesse por animais selvagens. Durante 20 meses foquei-me no estudo do animal mais rápido do mundo, o falcão peregrino, que tem uma vida fácil na cidade porque é uma autêntica máquina de dizimar pombos. Começou a trabalhar ainda adolescente. Teve uma infância de grande contacto com a natureza?
Posso dizer que tive esse privilégio. Os meus pais são apaixonados pela Natureza, sobretudo pela vida marítima, e passaram esse gosto aos três filhos. No meu trabalho, sinto-me muito bem em situações desconfortáveis porque essa era a minha normalidade em miúdo. E isso é fundamental para que nos possamos focar no trabalho – não podemos estar constantemente a pensar que estamos com frio, calor ou fome.
E tem medo?
Medo? Das pessoas, sim, o ser humano é a espécie mais perigosa que há. Claro que há animais potencialmente perigosos – a baleia, por exemplo –, mas se soubermos respeitar o seu espaço é mesmo muito difícil que nos coloquemos numa situação de perigo real.
Na sua conferência, contou uma história sobre leopardos que, de noite, visitam um bairro residencial de Bombaim, em busca de alimento. No entanto, parece que isto foi uma supresa total, até para os habitantes do bairro em questão…
Os grandes felinos são animais muito inteligentes. Na verdade, os residentes nunca os tinham visto ou sequer suspeitavam da sua passagem por aquelas ruas, a horas mortas. Que é muito frequente, aliás. Também falou do falcão-peregrino, que nidifica nas grandes cidades. E conta a história de um falcão jovem salvo por toda uma comunidade em Bristol…
Acho que vou contar esta história para sempre, de tal maneira ela é especial. Sam era um falcão jovem, que caiu ao rio durante o seu primeiro voo. Corria o risco de se afundar porque não conseguia libertar-se do lodo e foi maravilhoso ver como muitos se empenharam no seu salvamento. Bem sucedido, por sinal.
Como é trabalhar com a figura mais lendária do documentarismo de natureza, David Attenborough?
É simplesmente maravilhoso. Aconteceu quando eu estava a trabalhar num projecto da BBC. Alguém
nos apresentou e, passado algum tempo, depois de ter visto algum trabalho meu, convidou-me para trabalhar na fotografia de A Perfect Planet. Devo admitir que estava com algum receio, já que muitas vezes nos dizem: ‘Não conheças os teus ídolos porque podes desiludir-te’. Pois bem, não aconteceu. Sir David Attenborough é tudo aquilo que parece nos documentários: simples, divertido, apaixonado por aquilo que faz, incrivelmente espirituoso e muito gentil.
Em que projeto está a trabalhar neste momento?
Estou a filmar uma nova série para a Disney Plus sobre vida animal. A estrutura de cada episódio é inovadora, na medida em que temos uns 40 minutos sobre o assunto em foco e depois mais 10 minutos de making of. Acreditamos que o público efabula muito sobre o nosso trabalho no terreno e queremos mostrar o que realmente fazemos, sem glamour nem filtros. Fechamos a primeira temporada em setembro e acredito que vai ser algo mesmo fixe.
Está consciente de que as crianças são um público fiel dos seus programas?
O que me faz sentir muito feliz. Creio que tive a sorte de começar a trabalhar nesta área ainda muito novo, quase um teenager acabado de sair da escola, o que talvez me tenha habilitado a fazer uma abordagem próxima da deles. Talvez ainda me lembre como se capta a atenção dum miúdo, o que não é fácil, refira-se. Isso fá-lo sentir-se otimista em relação ao futuro do planeta?
Há comportamentos que efetivamente mudaram nos últimos anos: a reciclagem doméstica de resíduos é uma aposta ganha nas gerações mais novas, muito por causa do excelente trabalho desenvolvido nas escolas. Mas a questão é que tudo isto já vem um pouco tarde porque, em todo o lado a que nos desloquemos, se percebe que o ambiente está em grandes, grandes sarilhos. Se, numa das minhas viagens, me encanto com uma paisagem, logo aparecerá alguém a dizer: “Devia ter visto isto há 10 anos!” Não estou preocupado com o planeta, este há-de arranjar um modo de se regenerar, mas muito provavelmente sem nós e sem os outros animais. Ou então temos de mudar drasticamente de atitude, de forma muitíssimo rápida.
Tem animais de estimação? Atualmente não, porque passo muitos meses fora de casa, mas em criança tive um cão inesquecível. Sou apaixonado por animais, sim. A primeira fotografia que me valeu um prémio, tinha eu uns 13 anos, mostrava os peixes lá de casa e valeu-me a sua publicação na revista Pratical Fish. Foi uma excitação e ensinou-me pelo menos uma coisa: que somos muito melhores fotógrafos quando retratamos algo que amamos.
“Não tardei a apaixonar-me pela selva urbana. As cidades, por mais povoadas que sejam, podem proporcionar experiências muito interessantes a quem se interesse por animais selvagens.”