‘Homicídios ao domicílio’: crime, disseram eles
É uma das mais divertidas séries disponíveis no Disney+, com Steve Martin, Martin Short e Selena Gomez. O trio nova-iorquino faz as honras da segunda temporada de Homicídios ao Domicílio, que se estreia hoje, retomando o podcast homónimo (fictício), o crime que marcou o último episódio e apresentando novas personagens... ou suspeitos.
Cozy murder. Ou, em português, “homicídio confortável”. É esta a melhor expressão que Amy Schumer encontra para definir o podcast Only Murders in the Building. Que é como quem diz, a série (no seu título original). Ouvimo-la proferi-lo num diálogo amigável que acontece naquele lugar onde geralmente não há conversas confortáveis entre estranhos: o elevador. Dizíamos nós, um diálogo amigável entre a comediante, a fazer dela própria, e Martin Short, um dos autores desse podcast, que chega agora à segunda temporada. Que é como quem diz, a série, claro. Para os que ainda não conhecem, Homicídios ao Domicílio é isso mesmo: resolução aconchegante de crimes sangrentos. Mas com um pormenor essencial: a regra é acontecerem no interior de um antigo e elegante complexo de apartamentos em Manhattan chamado Arconia.
Na primeira temporada, estreada no ano passado, tudo começou com a formação do improvável trio detetivesco em torno de um assassinato no respetivo prédio. Charles (Steve Martin), Oliver (Martin Short) e Mabel (Selena Gomez) eram, e continuam a ser, vizinhos e amantes de podcasts de true crime. O que fazer com essa tara e um crime debaixo dos narizes? A resposta é óbvia: criar o seu próprio programa numa Nova Iorque sedenta de mistérios.
Esta premissa de Homicídios ao Domicílio funcionou às mil maravilhas, e pode servir bem as temporadas que se quiserem fazer à sua volta. Basicamente, dois veteranos e uma millennial unidos pelo bichinho nova-iorquino da investigação autodidata, que se entretêm a seguir pistas e a nomear suspeitos enquanto lidam com problemas pessoais. Uns mais dramáticos do que outros. É também aí que a série se distingue. Digamos que o humor não vive aqui sem o tempero de um certo drama íntimo, permitindo que as personagens cresçam em empatia, ao mesmo tempo que asseguram a prerrogativa da diversão cómoda.
Cada um dos três protagonistas tem algo que lhe determina o caráter. Charles é um famoso ator (enfim, já não tão famoso quanto gostaria) de uma antiga série policial televisiva, carregando uma melancolia gentil em relação a esses tempos áureos. Oliver é um encenador da Broadway cuja carreira foi por água abaixo com um musical intitulado Splash! (ele não perde, porém, nenhuma oportunidade para voltar a uma espécie de luzes da ribalta). E, para compor o ramalhete, Mabel surge como a jovem sarcástica de dotes artísticos com uma vida em construção e um passado que lhe bate à porta. Resolvido o caso da primeira temporada, a segunda arranca com a último imagem da anterior: Mabel, com a camisola branca manchada de sangue, de joelhos em frente ao corpo da presidente do conselho de inquilinos do Arconia, Bunny (uma figura pouco simpática, que afinal não era assim tão má..), apunhalada com uma agulha de tricô. Tinham acabado de apanhar o/a assassino/a do primeiro crime e, de repente, são eles próprios os suspeitos de um novo homicídio no prédio.
É por aí que seguem os 10 episódios da temporada que se estreia agora no Disney+, com atores convidados como a referida Amy Schumer, a lenda Shirley MacLaine e Cara Delevingne, num enredo que envolve o roubo de um quadro “escandaloso”, um papagaio e outras provas que vão sendo colocadas em sítios estratégicos pelo suposto assassino. Mantendo o mesmo espírito leve, este segundo capítulo de Homicídios ao Domicílio vai confundir o espectador com pistas por toda a parte, insinuações e mais personagens ao barulho. Outra particularidade é que, para além do abundante meta-humor, há uma maior atenção ao passado dos protagonistas e, sobretudo, ao do Arconia, esse complexo de apartamentos do Upper West Side que, tal como a falecida Bunny – a “clássica nova-iorquina” –, contém uma coleção de histórias, segredos e sabedoria esquecida.
Seja como for, no meio dos vários aspetos a gerir prevalece o toque hilariante do podcast de true crime e a emoção do suspense que desde o início marcaram o semblante da série, com a dinâmica do trio fantástico a celebrar o prazer de uma investigação paródica. Isto sem esquecer o sentido da experiência aconchegante.
Uma amizade de 35 anos
Pode dizer-se que na base de tudo está, antes do trio, a dupla Steve Martin e Martin Short. Verdadeiros cúmplices – desde a comédia de John Landis, de 1986, Três Amigos (o terceiro elemento aí era Chevy Chase), rodagem na qual se tornaram inseparáveis –, fizeram a série de filmes O Pai da Noiva e partilham números de comédia de longa data, como se testemunha no especial Steve Martin & Martin Short: An Evening You Will Forget for the Rest of Your Life (2018), disponível na Netflix. Fora do ecrã e dos palcos, continuam a ser uma parceria cómica, mas não só. “O Steve e eu fazemo-nos rir um ao outro, somos palhaços, e esse é um grande elemento sedutor. Isso criou a determinação de nos vermos, depois jantarmos, e evoluiu para tirar férias juntos em família”, descreveu Martin Short numa entrevista conjunta ao The Guardian, na altura do lançamento de Only Murders in the Building.
Esta amizade com mais de 35 anos confere a Homicídios ao Domicílio uma identidade inequívoca, um tipo de humor que nasce da combinação dos dois, como uma fórmula garantida de gargalhadas afetivas. Da autoria do próprio Steve Martin e do showrunner John Hoffman, a série contém mesmo qualquer coisa da angústia dos atores que vão ficando esquecidos no mundo do showbiz, um tema que já se encontrava em Três Amigos, também coescrito por Steve: “Acho que o meu interesse pelo pequeno show business começou desde que estou nele e alcancei um pouco de sucesso. Temos sempre medo de que não vá durar.”
Com a referência de Crime, Disse Ela em mente, a série de 1984 protagonizada por Angela Lansbury, Steve Martin criou um conceito infalível a partir da ideia inicial de “três velhos atores” que “moravam num prédio e se interessavam por crimes, mas como não tinham energia para ir ao centro da cidade, só tratavam de assassínios no edifício”... Este esboço evoluiu para a entrada da jovem Selena Gomez, a terceira alma solitária que acrescenta um condimento geracional, e o resultado é uma iguaria de mistério com paladar old school.
Dois veteranos e uma millennial unidos pelo bichinho nova-iorquino da investigação autodidata, que se entretêm a seguir pistas e a nomear suspeitos.