Morreu António Ribeiro Ferreira, antigo diretor adjunto do DN, um jornalista “inteiro” e “irreverente”
Com longo percurso no jornalismo, esteve na direção do Diário de Notícias de 1996 a 2003, com Mário Bettencourt Resendes. Morreu aos 73 anos
Averve irreverente e contestatária que praticou no Movimento da Esquerda Socialista (MES), de que foi um dos fundadores nos meses seguintes ao 25 de abril, transportou-a ao longo de toda uma vida dedicada ao jornalismo, onde António Ribeiro Ferreira se destacou como um jornalista “inteiro”, de “enorme coragem”, “alma de repórter” e uma “força viva na redação”, de onde era geralmente o último a sair nos tempos em que os jornais fechavam já de madrugada, depois de um dia em que podia intercalar o grito fácil com a mais humana e sonora gargalhada. No Diário de Notícias, doi diretor-adjunto, entre 1996 e 2003, integrando a direção de Mário Bettencourt Resendes, num dos melhores períodos da história do jornal. António Ribeiro Ferreira morreu ontem, aos 73 anos, vítima de doença oncológica.
“Ele vinha da escola do Independente, onde a irreverência era a norma. Quando entrou para adjunto do Mário [Bettencourt Resendes], essa irreverência teve que ser algo controlada, mas nunca foi apagada, tendo surpreendido a redação com várias capas diferentes para o que o jornal estava habituado”, recorda João Céu e Silva, na altura editor da Sociedade no DN, cargo no qual vivenciou de perto o estilo
“aguerrido e incansável” de Ribeiro Ferreira. “Ele chegava ao jornal cedo e começava logo a pensar na manchete. Quando eu chegava ele já sabia o que queria e o que tínhamos de desenvolver”, recorda, lembrando o antigo diretor-adjunto do DN como um homem de “convicções fortes”, que “não gostava de ser contrariado”, mas que “sabia render-se aos argumentos válidos” dos outros.
“Antes de mais perdi um amigo, e um amigo daqueles que é um amigo fraterno”, diz José António Santos, que foi editor-executivo no Diário de Notícias na época de Ribeiro Ferreira. “Retenho a imagem de um camarada admirável, por um lado pela dimensão humana, por outro pela devoção e excelência profissionai. O DN deve-lhe muito, deve muito ao seu entusiasmo, às vezes nalguns excessos, mas até nos seus excessos era dmirável”, conta o também antigo jornalista do DN, salientando a “coragem” de Ribeiro Ferreira “no dia-a-dia da redação” e a postura de “doa a quem doer, vamos em frente”. “Era um jornalista inteiro, com grande sentido ético e de lealdade”.
“Foi a época de ouro do DN na segunda metade do séc XX”, acrescenta José António Santos. “O grande sucesso editorial é conseguido com essa direção do Mário
Bettencourt Resendes e isso também se deveu muito ao Ribeiro Ferreira”, sublinha.
Maria de Lurdes Vale, coordenadora do Turismo de Portugal em Espanha, que foi editora de política e editora-executiva no DN, lembra o “motivador que tinha aquela capa áspera de pessoa dura, cáustica, ácido no seus editoriais, mas era um ser humano extraordinário, próximo, interessado nas pessoas e muito motivador. Era a pessoa que punha o motor da redação a trabalhar até ir embora, às tantas da noite, era o último a sair, com a sua forma carrancuda, de cigarro sempre na mão, mas sempre capaz de nos surpreender com aquela gargalhada sonora mesmo nas alturas mais difíceis”.
Nascido em Lisboa, António Ribeiro Ferreira formou-se em engenharia no Técnico, experimentou então a agitação política do pós-25 de abril no MES, onde foi companheiro, entre outros, do ex-presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues, mas vingou a sua vocação jornalística. Confessou mais tarde, nas páginas do jornal I, que foram as cheias de 1967, que mataram centenas de pessoas na zona da grande Lisboa, que o fizeram mudar de rumo e decidir que queria ser jornalista.
Começou o percurso nas redações pelo semanário O Tempo, em 1978, e passou rapidamente a chefe de redação. Esteve depois no semanário Liberal, com Maria João Avillez, e em 1989 integrou, como redator de fecho, o Diário de Lisboa, na equipa de Mário Mesquita e Diana Andringa. Saiu em 1990 para ingressar na equipa de O Independente, convidado por Paulo Portas, onde esteve até 1996 e onde foi chefe de redação, antes de se mudar, em outubro desse ano, para o Diário de Notícias, onde permaneceu até 2003. Passaria ainda pelo Correio da Manhã, onde foi redator principal, e posteriormente pelo jornal I, onde foi diretor e ocupou outros cargos de chefia até se aposentar.
Nas palavras de José António Santos, “o jornalismo perdeu um grande jornalista e o Diário de Notícias perdeu um dos seus melhores”.