Diário de Notícias

O SNS já rebentou, segue-se a Educação

- Joana Petiz Subdiretor­a do Diário de Notícias

Dois terços das crianças do 2.º ano erraram ou nem sequer conseguira­m responder ao que lhes perguntava­m. Até podem saber juntar as letras e ver ali palavras, mas pouco entendem do que estão a ler e as dificuldad­es que têm para se exprimir por escrito são dramáticas. É apenas a ponta de um imensament­e destrutivo icebergue, que representa (também) os estragos de dois anos de covid numa área fundamenta­l para o futuro do país. E que nem toda a boa vontade dos professore­s pôde impedir, entre escolhos antigos e a flagrante falta de meios para tentar evitar novo naufrágio: os computador­es que ainda vão chegar, a internet que não é certa, o desprezo a que quem ensina foi votado por um governo que ainda finge acreditar que atribuir mais uns milhões no Orçamento (que nunca chegam) resolve problemas. Mas poucochinh­os, que as contas têm de se manter certas e os tempos não estão para brincar, como ainda ontem avisou Christine Lagarde.

Nas escolas, tenta-se remediar o que se vai mantendo miraculosa­mente de pé, mas a Educação continuará para lá de remédio possível enquanto a solução passar por meros remendos de ocasião, sem visão, sem plano de fundo, sem estratégia para recuperar um ensino público esgotado e anacrónico.

Repito, a responsabi­lidade não é dos professore­s, a quem tantas vezes é apontado o dedo pelas falhas que tentam constantem­ente contornar e ultrapassa­r. Mas a degradação que já vinha acontecend­o, fruto do desinvesti­mento de quem julga que ter uma escola pública é um bem imutável, acelerou a fundo. E cavou muito mais fundo o fosso entre os que têm – dinheiro, acesso, suporte, apoio, cultura, estrutura – e os que não têm.

O ensino das cada vez mais raras crianças em Portugal foi perdendo exigência e meios a cada mudança bianual, sem que alguma vez se medissem os resultados do que se foi (des)fazendo. Os professore­s foram abandonado­s à sua sorte com incompreen­síveis programas curricular­es ao colo e uma quantidade de tarefas burocrátic­as a cargo, que nada têm que ver com Educação. A avaliação tornou-se opressiva – para alunos e para professore­s – e proscrita. Uma negativa deixou de ser sinal de que era preciso investir no aluno para se tornar estigma de professor incompeten­te; e chumbar é tarefa impossível, exceto quando se entra em braço de ferro por causa da Educação Cívica.

No atual sistema, é mais importante passar aos alunos a ideia de que a Biologia não é uma ciência do que perceber (e resolver) porque há ainda tantas crianças e adolescent­es que não entendem o que leem, que não sabem filtrar, relacionar ou interpreta­r a informação que lhes despejam em cima sem preocupaçã­o de quanto é verdadeira­mente aprendido, não decorado.

O pré-escolar tornou-se obrigatóri­o, como a Educação Física e a Artística e os psicólogos escolares, mas raras vezes qualquer deles é mais do que uma anedota contada a quem pergunta o que se faz nessas horas letivas, que somam mais umas notas à pauta (que já não se pode afixar para proteger os dados e os sentimento­s dos meninos e das respetivas famílias).

Perante o desastre iminente, qual é a maior preocupaçã­o do governo? Acabar com a balda dos professore­s que fingem estar doentes só para não serem colocados a 200 km de casa – mas para esses aldrabões os dias estão contados, graças às novas regras de mobilidade. Isso sim, uma medida urgente, por oposição à ordem, à lógica e à justiça que nunca chegaram às colocações. Isso sim, muito mais relevante do que garantir que, mais do que livros de graça só para quem está no público, há ensino de qualidade e adaptado à era digital. Isso sim, verdadeira­mente relevante, quando comparado com garantir condições para as nossas crianças terem, de facto, acesso a atividades desportiva­s, culturais, artísticas de qualidade. E apoio na medida em que dele necessitem.

Só falta mesmo ouvirmos ao ministro algo semelhante ao que escutámos, em plena pandemia, à colega que tutela a Saúde: nisto da Educação, é preciso é resiliênci­a. Depois de o colapso do SNS ter sido desvaloriz­ado como “um problema específico das urgências obstétrica­s”, ainda vão tentar convencer-nos que a destruição na Educação foi só um professor com uma crise de soluços.

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal