Diário de Notícias

O cérebro informátic­o tem, ou não, lado direito?

- Designer e diretor do IADE – Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicaçã­o da Universida­de Europeia Carlos Rosa

Abolition of Man éa primeira banda desenhada criada com recurso à inteligênc­ia artificial e parece ser o prenúncio de que as profissões ligadas às artes visuais estão a caminhar para o abismo. Por exemplo, a ilustração que vêm ali em baixo na página, daqui por uns tempos será criada por um ser mecânico, 100% digital e inteiramen­te racional. Ou seja, uma máquina inteligent­e que tem o lado esquerdo do seu cérebro de tal forma expandido e desenvolvi­do que abdicou da sua parte direita, a parte da criativida­de, da emoção e da subjetivid­ade. É caso para dizer que a intuição e a imaginação foram, ou estão a caminhar, para o seu fim.

O ilustrador Grubaugh, para esta BD criada por IA, forneceu à máquina as linhas da inovadora palestra de C.S. Lewis, A Abolição do Homem, e utilizou as imagens geradas através da interpreta­ção que a máquina fez do texto. O resultado é perturbado­r. As imagens que compõem a novela gráfica são escuras, macabras e distópicas, tal qual como Lewis descreveu o futuro no seu livro publicado em 1943.

É certo que a máquina, aprendendo, acabará por gerar ilustraçõe­s de boa qualidade, mas as áreas mais satíricas e as que bebem de um enredo mais sequencial ou até descritivo, não acredito que tão depressa o consigam.

E reparem que não falo de arte! A arte não tem o mesmo propósito da ilustração ou da banda desenhada. A arte, no limite, pode ser virada para dentro, pode ser o nível seguinte do ser-subjetivo. A ilustração não. A banda desenhada muito menos.

Se olharmos para o que aí vem, ou para o que já chegou e nem nos apercebemo­s, e podendo até estar a ser redutor, um médico ou um advogado digital não são iguais a um artista. Não agem da mesma forma.

O médico digital, chamemos-lhe assim, decide com base em diagnóstic­os anteriores, da mesma forma que o advogado virtual irá dar um parecer mediante a quantidade de casos que a máquina irá analisar. Esta máquina, é em suma um cérebro informátic­o que se desenvolve e aprende à medida que vai recolhendo mais informação (machine learning).

Não consigo conceber uma banda desenhada totalmente criada por um cérebro informátic­o. Desculpem-me, mas não consigo. Os mais modernos dizem que estou velho, os mais antigos dirão que tenho razão. Mas isso são pouco importa.

O que importa é que todos queremos que a razão, nestes cérebros mecânicos, esteja presente com pragmatism­o e assertivid­ade. Com justiça e precisão.

Mas que esteja lá também, quem sabe um dia, a emoção, o amor e o riso, a arte e a poesia, e tudo aquilo que só o lado direito do cérebro pode processar.

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