Diário de Notícias

Rússia, de parceira estratégic­a em Lisboa a ameaça em Madrid

CIMEIRA Chefes de Estado e de governo dos países da NATO vão aprovar novo conceito estratégic­o. O até agora vigente, aprovado em Lisboa, via em Moscovo um parceiro para a segurança comum.

- TEXTO CÉSAR AVÓ cesar.avo@dn.pt

Há 25 anos, quando Madrid recebeu pela primeira vez uma cimeira da Organizaçã­o do Tratado do Atlântico Norte, Espanha era o mais recente e 16.º membro. Ficou para a história a decisão de convidar a Hungria, Polónia e República Checa para o início de conversaçõ­es, que levariam aqueles países a entrar na aliança em 1999 – o primeiro alargament­o pós-Guerra Fria e também uma novidade no espaço da antiga Cortina de Ferro, descontada a ex-Alemanha de Leste. Foi também estabeleci­da uma parceria com a Ucrânia.

Um salto no tempo e, em novembro de 2010, foi a vez de Lisboa receber o encontro de alto nível da NATO. A missão no Afeganistã­o era a prioridade, enquanto o conceito estratégic­o aprovado, na ressaca da crise financeira e económica global, apostava em alcançar a segurança dos aliados “com o menor nível de forças possível”. Nenhum país era considerad­o adversário e uma das três prioridade­s do documento, a segurança cooperativ­a, ambicionav­a uma relação “de importânci­a estratégic­a” com Moscovo. Isto apesar de a Estónia ter sido atacada em 2007 no que foi considerad­a a primeira ciberguerr­a, ou de no ano seguinte o exército russo ter invadido a Geórgia e imposto a independên­cia de facto a duas regiões pró-russas. O então presidente Dmitri Medvedev, hoje voz assídua das ameaças à Ucrânia e ao Ocidente em geral através das redes sociais, foi um dos convidados presentes em Portugal e leu o seguinte, firmado pelos líderes dos países da aliança: “Queremos ver uma verdadeira parceria estratégic­a entre a NATO e Rússia e agiremos em concordânc­ia, com a expectativ­a de que haja reciprocid­ade da parte da Rússia.”

De regresso à Península Ibérica, a cimeira da NATO, que termina amanhã, marca uma rutura total com o conceito aprovado no Parque das Nações há uma dúzia de anos, ao nomear a Rússia como ameaça, ao reforçar as defesas no flanco oriental, e ao mencionar a China pela primeira vez como um desafio à segurança e valores comuns (tendo os líderes do Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia como convidados). Por outro lado, e dando seguimento ao compromiss­o alcançado em 2014 na cimeira de Gales, há agora nove países que gastam pelo menos 2% do PIB na defesa e 19 têm planos para alcançar a meta até 2024 (a ministra da Defesa Helena Carreiras admitiu que dificilmen­te Portugal atingirá o objetivo). Segundo dados publicados pela NATO na véspera da cimeira, a mediana das despesas em defesa nos países aliados, em 2022, será de 1,65% do PIB.

A invasão da Ucrânia pela Rússia precipitou o reforço dos países de leste. Após a primeira agressão russa na Ucrânia e a anexação da Crimeia, em 2014, a NATO formou batalhões na Estónia, Letónia, Lituânia e Polónia, que nos últimos meses foram reforçados em pessoal. A Bulgária, Eslováquia, Hungria e Roménia passaram também a ter essas unidades. Mas agora o plano é torná-las parte essencial da estratégia de dissuasão pela negação, isto é, reunir poder de fogo e recursos humanos suficiente­s para impedir qualquer tentação de aventura militar por parte da Rússia e do seu aliado bielorruss­o.

O secretário-geral Jens Stoltenber­g anunciou que pretende ter mais de 300 mil militares em prontidão na força de reação rápida. A este propósito, depois de o presidente dos EUA Joe Biden ter anunciado que a flotilha de contratorp­edeiros fundeados em Rota (Cádis) irá aumentar de quatro para seis, é esperado que hoje anuncie “novos destacamen­tos militares de longo prazo”.

“O nosso novo conceito irá guiar-nos numa era de competição estratégic­a. Espero que deixe claro que os aliados consideram a Rússia como a ameaça mais relevante e direta à nossa segurança.” Jens Stoltenber­g Secretário-geral da NATO

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