Diário de Notícias

“O tratamento romântico da vida de Camões alcançou a Literatura Húngara a muitos níveis e em muitos períodos, mas de alguma forma ele nunca se tornou realmente um autor da moda.”

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a sua epopeia. No entanto, o tratamento romântico da vida de Camões alcançou a Literatura Húngara a muitos níveis e em muitos períodos, mas de alguma forma ele nunca se tornou realmente um autor da moda, embora tenham sido feitas várias traduções de alta qualidade da sua epopeia e dos seus poemas. Talvez a razão para esta negligênci­a seja por que qualquer coisa fora do centro europeu está fora do horizonte de interesse dos leitores húngaros. Considero ser minha tarefa, como tradutor literário de Camões, mostrar ao maior número de pessoas possível em húngaro o quão fascinante e interessan­te é a lírica de Camões. O desejo eterno, o amor, o medo da morte, um olhar hipnotizan­te são tão importante­s hoje como eram no tempo de Camões. Eu quero mostrar o engenho poético destes sonetos como obras de arte. Eu queria colocar poemas bem legíveis, suaves e agradáveis nas mãos dos leitores húngaros. Eu não uso notas, não quero distrair o leitor húngaro do prazer do trabalho, existe o Google, se alguém precisar de alguma informação pode encontrá-la rapidament­e. Eu não sou apenas um tradutor literário, eu também escrevo os meus próprios poemas. Assim, com as traduções de Camões eu também tinha um objetivo um pouco egoísta: eu próprio queria tornar-me um poeta melhor. Eu queria aprender o que só se pode aprender com um poeta verdadeiro. Eu queria aprender o seu saber. Um poeta uma vez aconselhou-me, no início da minha carreira, que se eu quisesse aprender a escrever poesia, eu deveria traduzi-la. Mas devo ter o cuidado de escolher excelentes poemas, que são realmente difíceis de traduzir. Os poemas de Camões são assim mesmo...

Sei que também já traduziu Fernando Pessoa. Como vê este poeta português da primeira metade do século XX, talvez o mais global hoje em dia? A receção de Pessoa na Hungria foi muito mais afortunada do que a de Camões. Foi traduzido relativame­nte cedo, e pelos melhores tradutores literários. Isto criou imediatame­nte uma espécie de culto para Pessoa, que desde então tem tido um pequeno, mas entusiásti­co, público leitor na Hungria. Os seus trabalhos estão disponívei­s em várias traduções. O âmbito da obra de Pessoa é vasto, nem tudo está em húngaro, mas grande parte está disponível, incluindo a sua prosa. As obras de Pessoa são difíceis de ler, e por muito que as ame, tenho de dizer que requerem um grande empenho dos leitores, o que reduz o potencial de leitura. Em primeiro lugar, é preciso compreende­r as figuras heterónima­s, é preciso ter consciênci­a do modo de expressão a que estão ligadas e, além disso, estes textos estão muitas vezes enraizados numa tradição poética que não existe em húngaro; ou não existe da forma viva que existe na poesia portuguesa. Portanto, o leitor húngaro tem de trabalhar arduamente para interpreta­r um poema de Pessoa. Os mais próximos do meu coração são os poemas de versos livres de Álvaro de Campos, se me é permitido dizer um favorito. A língua que Pessoa usa nestes poemas é quase desconheci­da em húngaro. Por uma questão de precisão, devo notar que tem havido alguns poetas que tentaram algo semelhante em algumas das suas obras, por isso prefiro usar a palavra “algo invulgar” para descrever estes textos. Quando escrevi o texto em húngaro pela primeira vez, mal pude acreditar que era possível escrever um verso livre de tal intensidad­e, ou qualquer texto, em húngaro. Pessoa mudou tudo o que eu tinha pensado sobre poesia antes.

Que outros nomes da literatura portuguesa traduz ou gostaria de traduzir? Traduzi muito português, também gosto muito de literatura medieval, Dom Dinis, Pero Meogo, Airas Nunes de Santiago são os meus favoritos. Entre os poetas portuguese­s mais recentes, traduzi poemas de Al Berto, Eugénio de Andrade, José Luís Peixoto e do brasileiro Carlos Drummond de Andrade. Estou muito orgulhoso por ter traduzido os poemas galegos de Manuel António e do ciclo galego de Federico García Lorca, e talvez ainda mais orgulhoso por ter conseguido que fossem publicados em forma de livro. Traduzi também duas peças de teatro em português, uma de Abel Neves e outra de Jaime Rocha. Tento manter os olhos abertos, procurando constantem­ente por obras de autores antigos e novos.

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