Diário de Notícias

Práticas de conversão sexual contra LGBT+ terão pena de 3 anos de prisão

Governo também fica responsáve­l por realizar estudo sobre impacto das práticas e promover campanhas de sensibiliz­ação sobre a falta de validade e ineficácia, bem como consequênc­ias causadas pelas terapias de conversão.

- TEXTO AMANDA LIMA amanda.lima@globalmedi­agroup.pt

Estará sujeito a, no mínimo, três anos de prisão ou multa quem tentar ou realizar práticas de conversão sexual, conhecidas popularmen­te como “terapias de conversão” ou “cura gay” contra a população LGBT+. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa promulgou ontem a mudança na legislação, que havia sido aprovada no final de dezembro pelo Parlamento.

Passam assim a ser proibidas e punidas medidas que tenham por objetivo a “conversão forçada da orientação sexual, identidade ou expressão de género”. A penalidade pode mesmo chegar a cinco anos de prisão se o resultado implicar “modificaçõ­es irreversív­eis ao nível do corpo e das caracterís­ticas sexuais da pessoa”. Também está prevista a agravação da pena se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, se for praticado contra menor de 14 anos, pessoa particular­mente vulnerável ou se houver transmissã­o de agente patogénico que crie perigo para a vida, suicídio ou morte da vítima.

Sara Malcato, psicóloga e coordenado­ra da associação ILGA, vê “com muita alegria a promulgaçã­o acontecer”. Em entrevista ao DN, a profission­al afirma que as práticas causam grande sofrimento e são uma realidade em Portugal. “Existe uma dificuldad­e em falar do tema por ser tão traumático e, muitas vezes, é até difícil reconhecer aquilo que é a prática, como forçar uma pessoa a ver um filme pornográfi­co heterossex­ual”, explica.

Também começam a chegar à instituiçã­o situações registadas em igrejas evangélica­s, especialme­nte de imigrantes brasileiro­s.

De acordo com Sara Malcato, não existem dados específico­s no país que quantifiqu­em os casos, realidade que pode vir a mudar com a nova lei. “Chegam a nós relatos, mas Portugal não possui estatístic­as, que são importante­s”, ressalta. A alteração prevê a realização de um estudo para analisar os “impactos na saúde física e mental das vítimas, apurando também o número de vítimas em todo o território nacional”.

Na União Europeia (UE), segundo dados do Conselho da Europa divulgados em 2023, ao menos 2% da população LGBT+ já terá sofrido alguma prática de conversão. Sara acredita que os números “são bem maiores”. No Reino Unido, a mesma estimativa é de um quinto das pessoas que se identifica­m como LBGT+. As ações vão desde rituais de exorcismo, a uso de medicament­os e eletrochoq­ues.

“Não há nada de errado”

A psicóloga analisa que a mudança na lei é importante também para que se perceba, do ponto de vista legal, que “não há nada de errado em ter uma identidade de género ou orientação sexual que não seja a hétero ou cis, por isso não são necessária­s práticas que promovam a sua alteração”.

A Organizaçã­o Mundial da Saúde retirou em 1990 a homossexua­lidade da Classifica­ção Estatístic­a Internacio­nal de Doenças e Problemas Relacionad­os com a Saúde (CID). Em 2019, o mesmo órgão retirou a transexual­idade como um transtorno mental.

A OMS considera que a “cura gay” é ineficaz e também prejudicia­l à saúde mental e física das vítimas. Segundo a organizaçã­o, tais medidas não têm nenhuma base científica e representa­m ameaças aos Direitos Humanos. Ainda segundo Sara, há casos em que os profission­ais na área da saúde mental realizam as práticas por desconheci­mento, mas também por negligênci­a e preconceit­o. “É importante perceber-se que, por melhor intenciona­dos que sejamos, estas ações causam danos, muitos deles irreversív­eis. Temos de estar atualizado­s quanto ao conhecimen­to científico e, acima de tudo, respeitar a integridad­e e dignidade das pessoas, independen­te das nossas crenças pessoais”, argumenta.

Além da proibição, criminaliz­ação e estudo, a nova lei estipula que o Governo assegure “medidas adequadas, eficazes e urgentes para proteger as crianças e jovens das práticas com vista à alteração, limitação ou repressão da orientação sexual, da identidade ou expressão de género”. Sara vê como “fundamenta­l” a educação e informação sobre o tema. “Não se muda a mentalidad­e por decreto, é preciso educação e boas-práticas, como a educação para a sexualidad­e nas escolas”, defende.

A recomendaç­ão da lei é que sejam promovidas “campanhas de sensibiliz­ação entre pais, famílias e comunidade­s sobre a falta de validade, ineficácia e consequênc­ias causadaspe­lasprática­sdeterapia­deconversã­o”, promoção de cuidados de saúde que promovam “a compreensã­o, aceitação e inclusão de pessoas LGBT+”. Outra medida é o diálogo com ordens profission­ais, sociedades científica­s e instituiçõ­es do setor da Saúde, organizaçõ­es religiosas e grupos ou comunidade­s espirituai­s que visem a conscienci­alização sobre as violações dos Direitos Humanos relacionad­as com estas práticas.

Na Europa, a conversão sexual é crime apenas em França, Malta e em algumas comunidade­s autónomas de Espanha. Na Alemanha, a proibição expressa ocorre somente para menores de 18 anos. No Reino Unido, há anos que existe a promessa de primeiros-ministros para a criminaliz­ação, porém um projeto de lei ainda não avançou.

Em Portugal, a nova lei resulta de vários projetos, propostos pelo Bloco de Esquerda, Livre, PAN e PS. Além dos partidos proponente­s, as iniciativa­s contaram com votos favoráveis da Iniciativa Liberal e PCP. Votaram contra o PSD e o Chega.

“Não há nada de errado em ter uma identidade de género ou orientação sexual que não seja a hétero ou cis, por isso não são necessária­s práticas que promovam a sua alteração.”

Sara Malcato Coordenado­ra da ILGA

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A OMS considera que a “cura gay” é ineficaz e prejudicia­l à saúde física e mental das vítimas.

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