Práticas de conversão sexual contra LGBT+ terão pena de 3 anos de prisão
Governo também fica responsável por realizar estudo sobre impacto das práticas e promover campanhas de sensibilização sobre a falta de validade e ineficácia, bem como consequências causadas pelas terapias de conversão.
Estará sujeito a, no mínimo, três anos de prisão ou multa quem tentar ou realizar práticas de conversão sexual, conhecidas popularmente como “terapias de conversão” ou “cura gay” contra a população LGBT+. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa promulgou ontem a mudança na legislação, que havia sido aprovada no final de dezembro pelo Parlamento.
Passam assim a ser proibidas e punidas medidas que tenham por objetivo a “conversão forçada da orientação sexual, identidade ou expressão de género”. A penalidade pode mesmo chegar a cinco anos de prisão se o resultado implicar “modificações irreversíveis ao nível do corpo e das características sexuais da pessoa”. Também está prevista a agravação da pena se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, se for praticado contra menor de 14 anos, pessoa particularmente vulnerável ou se houver transmissão de agente patogénico que crie perigo para a vida, suicídio ou morte da vítima.
Sara Malcato, psicóloga e coordenadora da associação ILGA, vê “com muita alegria a promulgação acontecer”. Em entrevista ao DN, a profissional afirma que as práticas causam grande sofrimento e são uma realidade em Portugal. “Existe uma dificuldade em falar do tema por ser tão traumático e, muitas vezes, é até difícil reconhecer aquilo que é a prática, como forçar uma pessoa a ver um filme pornográfico heterossexual”, explica.
Também começam a chegar à instituição situações registadas em igrejas evangélicas, especialmente de imigrantes brasileiros.
De acordo com Sara Malcato, não existem dados específicos no país que quantifiquem os casos, realidade que pode vir a mudar com a nova lei. “Chegam a nós relatos, mas Portugal não possui estatísticas, que são importantes”, ressalta. A alteração prevê a realização de um estudo para analisar os “impactos na saúde física e mental das vítimas, apurando também o número de vítimas em todo o território nacional”.
Na União Europeia (UE), segundo dados do Conselho da Europa divulgados em 2023, ao menos 2% da população LGBT+ já terá sofrido alguma prática de conversão. Sara acredita que os números “são bem maiores”. No Reino Unido, a mesma estimativa é de um quinto das pessoas que se identificam como LBGT+. As ações vão desde rituais de exorcismo, a uso de medicamentos e eletrochoques.
“Não há nada de errado”
A psicóloga analisa que a mudança na lei é importante também para que se perceba, do ponto de vista legal, que “não há nada de errado em ter uma identidade de género ou orientação sexual que não seja a hétero ou cis, por isso não são necessárias práticas que promovam a sua alteração”.
A Organização Mundial da Saúde retirou em 1990 a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). Em 2019, o mesmo órgão retirou a transexualidade como um transtorno mental.
A OMS considera que a “cura gay” é ineficaz e também prejudicial à saúde mental e física das vítimas. Segundo a organização, tais medidas não têm nenhuma base científica e representam ameaças aos Direitos Humanos. Ainda segundo Sara, há casos em que os profissionais na área da saúde mental realizam as práticas por desconhecimento, mas também por negligência e preconceito. “É importante perceber-se que, por melhor intencionados que sejamos, estas ações causam danos, muitos deles irreversíveis. Temos de estar atualizados quanto ao conhecimento científico e, acima de tudo, respeitar a integridade e dignidade das pessoas, independente das nossas crenças pessoais”, argumenta.
Além da proibição, criminalização e estudo, a nova lei estipula que o Governo assegure “medidas adequadas, eficazes e urgentes para proteger as crianças e jovens das práticas com vista à alteração, limitação ou repressão da orientação sexual, da identidade ou expressão de género”. Sara vê como “fundamental” a educação e informação sobre o tema. “Não se muda a mentalidade por decreto, é preciso educação e boas-práticas, como a educação para a sexualidade nas escolas”, defende.
A recomendação da lei é que sejam promovidas “campanhas de sensibilização entre pais, famílias e comunidades sobre a falta de validade, ineficácia e consequências causadaspelaspráticasdeterapiadeconversão”, promoção de cuidados de saúde que promovam “a compreensão, aceitação e inclusão de pessoas LGBT+”. Outra medida é o diálogo com ordens profissionais, sociedades científicas e instituições do setor da Saúde, organizações religiosas e grupos ou comunidades espirituais que visem a consciencialização sobre as violações dos Direitos Humanos relacionadas com estas práticas.
Na Europa, a conversão sexual é crime apenas em França, Malta e em algumas comunidades autónomas de Espanha. Na Alemanha, a proibição expressa ocorre somente para menores de 18 anos. No Reino Unido, há anos que existe a promessa de primeiros-ministros para a criminalização, porém um projeto de lei ainda não avançou.
Em Portugal, a nova lei resulta de vários projetos, propostos pelo Bloco de Esquerda, Livre, PAN e PS. Além dos partidos proponentes, as iniciativas contaram com votos favoráveis da Iniciativa Liberal e PCP. Votaram contra o PSD e o Chega.
“Não há nada de errado em ter uma identidade de género ou orientação sexual que não seja a hétero ou cis, por isso não são necessárias práticas que promovam a sua alteração.”
Sara Malcato Coordenadora da ILGA