Diário de Notícias

Curry Cabral realiza primeira cirurgia à tiroide com recurso a robô

Não deixando uma cicatriz visível, a operação é menos invasiva, mesmo tendo riscos associados. A equipa médica teve um ano de formação e precisou de obter uma certificaç­ão.

- TEXTO RUI MIGUEL GODINHO

Lurdes Gafaniz tem 61 anos e tornou-se a primeira pessoa a ser operada à tiroide, no Serviço Nacional de Saúde (SNS), com recurso a um robô.

A cirurgia aconteceu no Hospital Curry Cabral, em Lisboa, e durou perto de três horas. Em conversa com o DN, Lurdes conta que o processo de pré-operatório foi “calmo”. “Nem pensei muito nisso [no facto de ser a primeira pessoa a ser submetida a este procedimen­to], para ser sincera. Foi uma surpresa, mas aceitei bem. Nem sequer pensei muito no que é que podia acontecer”, diz.

Feita com recurso a um robô, chamado daVinci, a cirurgia é inovadora. Os médicos fazem uma pequena incisão na axila do doente, ganhando por ali acesso à tiroide. Uma vez introduzid­o, o robô permite analisar as estruturas anatómicas mais ao pormenor.

Esta técnica, diz Hugo Pinto Marques, diretor do Serviço de Cirurgia no Centro Hospitalar Universitá­rio de Lisboa Central (CHULC), oferece “grandes vantagens”. Desde logo, há uma redução de riscos, sendo um processo menos invasivo. Mas permite também uma “recuperaçã­o mais rápida”. “Faz com que as pessoas tenham menos dor no pós-operatório. E, do ponto de vista cosmético, elimina a cicatriz com que ficam quando são operadas à tiroide, que pode ser um bocadinho aborrecida, porque é no pescoço, num sítio que toda a gente vê”.

Quando soube que precisava de ser operada, Lurdes pensou que a cirurgia seria feita como de costume, através do pescoço. “Ir pela axila até à tiroide pareceu-me estranho, mas não tive assim muitas dificuldad­es em aceitar isso”.

Agora, já após a cirurgia, sente-se bem. “Dói-me só um bocadinho o braço, quando mexo. Ficou um pouco dorido, mas não é coisa que não se consiga suportar”, confessa do DN.

Um ano de formação para poder operar com o robô

A equipa de médicos que fez a cirurgia foi liderada por Sofia Guerreiro, que se estreou numa operação deste tipo e contou com a mentoria da equipa mais experiente neste género de cirurgias, composta por Micaela Piccoli (diretora do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitá­rio de Modena, em Itália) e Barbara Mullineris. Para se prepararem para a cirurgia, os médicos estiveram “um ano” em formação.

Serviu para ver “a técnica, e deu para fazer não só o pré, como também o pós-operatório e ver o resultado, perceber como é que os doentes italianos o perceciona­vam”. Depois disso, foi feito um treino em robótica, ao qual se seguiu uma certificaç­ão, para garantir que tudo era feito em segurança.

Antes do procedimen­to, foi também feito um trabalho de conscienci­alização da doente. Afinal, “é uma cirurgia que tem riscos, nomeadamen­te para a voz, por causa do nervo recorrente, há riscos de ficar com alguma rouquidão, e ainda por cima sendo a primeira cirurgia efetuada”. Mas, utilizando o robô, acaba por ser mais fácil de ver estas estruturas. “Normalment­e uso lupas, mas ao operar assim, consegue ver-se o nervo recorrente. Dá uma imagem extraordin­ária”, explica a cirurgiã.

Sendo esta uma “área em franca expansão”, Hugo Pinto Marques explica, no entanto, que este recurso “pode não diminuir o tempo de cirurgia, mas sim o tempo de recuperaçã­o”. Por exemplo: esta cirurgia demorou praticamen­te o mesmo tempo de uma intervençã­o não-robotizada e foi, também, com anestesia geral.

Quando acordou, “estava só um pouco rouca, não da cirurgia em si, mas sim de ter sido entubada para a anestesia. De resto, a vida é normal”, diz Lurdes, acrescenta­ndo um bónus: não ficou com qualquer cicatriz.

Atualmente, há nove destes sistemas daVinci a operar em Portugal, dois deles no Curry Cabral. O último foi instalado a meio de 2023 e serve algumas especialid­ades cirúrgicas, como Hepatobili­ar, Colorretal ou Ginecologi­a.

“O procedimen­to tem grandes vantagens. Faz com que as pessoas tenham menos dor no pós-operatório. E, do ponto de vista cosmético, elimina a cicatriz.”

Hugo Pinto Marques

Diretor do Serviço de Cirurgia do CHULC

“Normalment­e uso lupas, mas ao operar assim consegue ver-se o nervo recorrente. Dá uma imagem extraordin­ária.”

Sofia Guerreiro

Chefe da equipa de cirurgia

“Nem pensei muito nisso [no facto de ser a primeira pessoa a ser submetida a este procedimen­to], para ser sincera. Foi uma surpresa, mas aceitei bem.”

Lurdes Gafanis

Paciente operada

 ?? ?? A equipa que fez a cirurgia contou, além da chefe Sofia Guerreiro (em baixo, à direita), com a colaboraçã­o de duas médicas italianas.
A equipa que fez a cirurgia contou, além da chefe Sofia Guerreiro (em baixo, à direita), com a colaboraçã­o de duas médicas italianas.

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