Diário de Notícias

Margarida Gil numa Berlinale sem compromiss­os

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

Está confirmado: Mãos no Fogo, a viagem ao norte de Margarida Gil está no Festival de Berlim na mostra competitiv­a Encontros. Um certame que arranca dia 15 de fevereiro e que leva à competição L’Empire, de Bruno Dumont, co-produzido pelo português Joaquim Sapinho.

U “m dos grandes nomes do cinema português”, foi assim que Carlo Chastrian, o diretor artístico do Festival de Berlim lançou Margarida Gil, cineasta portuguesa, na conferênci­a de apresentaç­ão do programa oficial desta edição. Mãos no Fogo é o seu novo filme e vai estar na seleção Encontros, uma secção que tenta ser um “certo olhar” ao que se produz na atual linguagem moderna do cinema português. Além do elogio a Gil, o Chastrian falou da luz que o filme tem, uma luz do veterano Acácio de Almeida, figura lendária do nosso cinema.

Mãos no Fogo é o único título do nosso cinema num festival que costuma ser simpático para Portugal – o ano passado João Canijo e MalViver ficaram no palmarés. Trata-se da história de uma estudante de cinema que viaja até ao Minho e Douro para filmar solares antigos a fim de concluir a sua tese do Real no Cinema. Uma estudante que se encanta com tudo o que lhe parece “genuíno” mas que poderá estar a caminhar para uma surpresa bem negra. Deduz-se que a cineasta do estimável Adriana estará a jogar com as perceções e os encantos de um certo cinema português. Em Berlim vamos perceber até onde vai este tributo que tem atores com Marcelo Urgeghe, Adelaide Teixeira, Rita Durão e a revelação Carolina Campanela. Para já, não deixa de ser surpreende­nte esta seleção. Igualmente, surpresa a não inclusão de Banzo, de Margarida Cardoso, dos novos filmes portuguese­s um dos que mais condições teria para estar num festival de lista A.

Sem esquecer o habitual Sapinho

De Portugal haverá também uma coprodução com França, O Império, de Bruno Dumont, o mais indomável dos cineastas franceses. O feito é da Rosa Filmes de Joaquim Sapinho, cineasta que como produtor tem marcado a sua presença regularmen­te nos maiores festivais e na companhia de cineastas radicais como Lisandro Alonso, Lav Diaz ou Albert Serra...O Império é já um sério candidato ao Urso de Ouro, uma sátira aos filmes de ficção-científica. No elenco está Camile Cottin e o repetente Fabrice Lucchini.

E se é fácil referir o nome de Dumont como favorito é porque na competição não há tubarões. A equipa de programaçã­o de Carlo Chastrian, em último mandato, tem, sabiamente, preferido apostar em cinema mais exploratór­io e em latitudes de cinema menos mediáticas. Este ano não há cinema inglês, espanhol ou brasileiro, mas há uma aposta forte na Ásia e em África, bem como no documentár­io. Saltam à vista os nomes de Hang Sangsoo com A Traveler’s Needs, com Isabelle Huppert; Abderrahma­ne Sissako com Black Tea, Mati Diop com Daoé e Olivier Assayas com a comédia Hors du Temp, na qual Vincent Macaigne é um duplo do realizador.

Dos Estados Unidos pode vir uma surpresa: chama-se A Different Man, de Aaron Schimberg e tem uma das novas vedetas de Hollywood como protagonis­ta, Sebastian Stan, fresco do sucesso da série Pam & Tommy, aqui na pele de alguém que depois de reconstrui­r o seu rosto fica obcecado com o homem que o interpreta numa produção teatral. Supostamen­te é um thriller surreal e espanta estar em competição. Mais uma vez, a Berlinale a dar luz verde ao cinema com a chancela A24...

E porque os filmes de tradição gourmet não abrandam, o mexicano Alfonso Ruizpaláci­os foi selecionad­o com o seu La Cocina, filmado numa cozinha de um restaurant­e de Nova Iorque. Sabe-se pouco ainda sobre o filme, apenas que tem Rooney Mara como presença protagonis­ta e que é todo a preto & branco.

Ainda na competição dois filmes que talvez foram pensados para atrair mediatismo devido às suas estrelas. Um deles é Another End, de Piero Messina, conto futurista de uma sociedade em que é possível criar versões de nós próprios. Gael García Bernal, Renate Reinsve e Bérenice Bejo têm então múltiplos papéis. O outro vem da Irlanda e traz ao tapete vermelho o provável vencedor do Óscar, Cillian Murphy: Small Things Like These, de Tim Mielants, a partir de argumento de Enda Walch baseado no celebrado romance homónimo de Claire Keegan. O gangue de Peaky Blinders está de volta num drama que explora os efeitos de um trauma num convento irlandês nos anos 1980.Tem honras de abertura.

A atração do Panorama

No Panorama, secção alternativ­a do festival, todos os olhares vão dar a Love Lies Bleeding, de Rose Glass, mais um título vindo da aposta na label A24. Trata-se de um thriller com perfume de escândalo: culturismo no feminino e erotismo queer com Kristen Stewart em alta exposição. É uma das exportaçõe­s de Berlinale ao Festival Sundance. Cada vez mais, em Berlim o olhar feminino é uma das prioridade­s, não sendo por acaso que a presidente do júri da competição principal é a atriz Lupita Nyong’o, vencedora de um Óscar. Por fim, recordar que esta última edição sob direção do italiano Carlo Chastrain tem um trunfo de peso: o Urso de Ouro de tributo a Martin Scorsese que sucede assim a Steven Spielberg. O festival preparou uma sessão especial de The DepartedEn­tre Inimigos, uma das suas obras-primas, estreada em 2006. O italo-americano chegará à Berlinale em plena azáfama da campanha para o Óscar de Assassinos da Lua das Flores, o épico feito para Apple +.

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Mãos no Fogo, de Margarida Gil, seleção importante para uma cineasta que precisa de maior exposição.
 ?? ?? A Different Man, um thriller americano para desenjoar numa programaçã­o de ala dura de Carlo Chastrian.
A Different Man, um thriller americano para desenjoar numa programaçã­o de ala dura de Carlo Chastrian.

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