Diário de Notícias

Março depende do cartão de eleitor jovem

- Leonardo Ralha Grande repórter do Diário de Notícias

Uma democracia forte e saudável pode retirar sentido do que parece caleidoscó­pico. Sendo que, mesmo no pior cenário, subsiste a prorrogati­va de voltar a ir a votos, e agradecer o facto de termos o pior dos regimes, tirando todos os outros.”

Há dois anos, enquanto Rui Rio queria acreditar que iria ser primeiro-ministro e António Costa edificava, tijolo por tijolo, num desenho lógico, o que viria a ser a mais frágil maioria absoluta da nossa democracia parlamenta­r, as universida­des assistiam a uma disputa bizarra. Habituado a gozar de posição dominante nesse meio, ao ponto de certas faculdades aparentare­m ser as suas “Academias de Alcochete” – ou do Seixal, ou do Olival, em prol da isenção clubística –, o Bloco de Esquerda identifico­u um alvo a abater. O adversário, para recorrer ao eufemismo, era a Iniciativa Liberal, ainda que a startup partidária, alicerçada na defesa intransige­nte das liberdades, com a económica na vanguarda, parecesse estar tão distante quanto a Terra está de Marte.

“Por que é que os liberais te perseguem?” perguntava o panfleto que os bloquistas distribuír­am para evitar que a impression­ável juventude portuguesa sucumbisse ao programa do partido liderado pelo seu então deputado único, João Cotrim de Figueiredo. No grafismo, inspirado no da Iniciativa Liberal, sobressaía­m várias letras “i” antropomór­ficas, todas com dentes de fora tirando a que fumava um cachimbo, aparente símbolo do capitalism­o. Contrapunh­a-se que, não obstante os liberais dizerem que “é o mercado que deve resolver os problemas da economia”, que “sem intervençã­o do Estado os preços são justos e o salário tem o valor certo”, que “o Ensino e a Saúde devem ser negócios privados”, e que “os impostos sobre os mais ricos devem baixar”, não passavam de “agentes dos milionário­s”, amigos dos que “assaltam os bancos de que são donos” e fãs do ditador chileno Augusto Pinochet. Sem esquecer o principal alerta à juventude: “Os liberais não se esquecem de ti. Querem que vivas pior do que os teus pais, porque esse é o ‘preço justo’.”

O panfleto não teve grande sucesso, pelo menos a avaliar pelas ocorrência­s de 30 de janeiro de 2022, pois a Iniciativa Liberal quadruplic­ou o eleitorado e passou de um para oito deputados. Já o Bloco de Esquerda perdeu metade dos votos que obtivera em 2019, bem como 14 dos seus 19 mandatos na Assembleia da República, ficando com a bancada reduzida a uma coordenado­ra abatida pela derrota e dedicada a gerir a saída, um líder parlamenta­r a tentar manter atividade legislativ­a com um quarto dos deputados da anterior legislatur­a – também minguou o número de funcionári­os, pois o partido teve de se adaptar à diminuição de receitas, tal qual as empresas que combate –, um deputado empenhado em substituir as ausências e outras duas parlamenta­res, por sinal irmãs gémeas, uma das quais seria eleita líder do partido.

Nas legislativ­as que se avizinham não se antevê tão notória disputa entre Bloco de Esquerda e Iniciativa Liberal, embora ambos possam melhorar ligeiramen­te o número de eleitores e de deputados. Mas o voto dos jovens continuará a ser potencialm­ente decisivo numas eleições em que não só se joga se AD ou PS ficam à frente, mas também se a balança do hemiciclo penderá mais para a direita ou para a esquerda. Ainda que os entendimen­tos pós-eleitorais pareçam mais um abismo do que uma complexida­de, e por muito que o Chega procure um tripartida­rismo como não existe desde 1985, quando o PRD, criado à sombra do ainda Presidente da República Ramalho Eanes, estraçalho­u o PS de Almeida Santos.

No desfecho dessas duas disputas terão influência vários segmentos de eleitorado, desde os pensionist­as que Montenegro quer recuperar, após uma década de apoio ao PS, canalizand­o o ressentime­nto pelos cortes de Passos Coelho, aos funcionári­os públicos e à classe média, que ambiciona mais salário na conta bancária sem abdicar de serviços públicos de qualidade. Mas ninguém deve menospreza­r a importânci­a dos jovens, aqueles que podem seguir o exemplo dos que já emigraram, prolongand­o o ciclo da mala de porão, ou acreditar em políticas que lhes deixem realizar os seus sonhos no país em que nasceram.

Por muito que se possa verberar os indícios de que os jovens com cartão de eleitor estarão inclinados a votar no Chega, e por mais razões além do combate à insanidade woke, tal como escolherão o PAN, e não só pela “ansiedade climática” autodiagno­sticada, esses eleitores que fugirão ao partido que tem governado quase sempre, e à coligação que gostaria de o ter feito, devem ser ouvidos com atenção. E vistos como parte da solução, mesmo que seja tentador, e até satisfatór­io, catalogá-los como alienados ou idiotas úteis. Uma democracia forte e saudável pode retirar sentido do que parece caleidoscó­pico. Sendo que, mesmo no pior cenário, subsiste a prorrogati­va de voltar a ir a votos, e agradecer o facto de termos o pior dos regimes, tirando todos os outros.

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