Diário de Notícias

A falta de argumentos de Barbie

Greta Gerwig e Margot Robbie ausentes das nomeações para os Óscares e o caso dúbio do argumento adaptado. A onda rosa de Barbie perdeu força na hora de se falar de coisas sérias...

- TEXTO INÊS N. LOURENÇO

Atemporada de prémios tem vindo a provar que a festa de Barbie só se fez mesmo nas bilheteira­s, com os espectador­es a aderirem a uma febre de celebração da sala de cinema pela via da celebração de uma única cor. Chegados às nomeações para os Óscares, qual momento decisivo, a ausência de Greta Gerwig na categoria de realização – ela que foi a primeira mulher realizador­a a ultrapassa­r os mil milhões de dólares de receitas – e de Margot Robbie, como Melhor Atriz, parece indicar que os dias cor-de-rosa da boneca da Mattel ficaram lá atrás, no verão de 2023. Dois casos a que se pode somar um terceiro: o do Argumento Adaptado, que já fez correr alguma tinta. Apesar de se tratar de uma história original escrita pela própria Gerwig e o marido, Noah Baumbach, Barbie acabou por ser considerad­o elegível pela Academia de Hollywood enquanto adaptação.

Logo após a notícia da Variety, que no início do ano dava conta do veredicto, o comediante Judd Apatow foi o primeiro a manifestar-se publicamen­te contra essa ideia de se olhar para Barbie como um argumento adaptado: “É um insulto para os argumentis­tas dizer que eles estiveram a trabalhar com material existente. Não havia material ou história. Era uma caixa transparen­te”, escreveu nas redes sociais. E a questão torna-se, de facto, pertinente quando comparamos a deliberaçã­o da Academia com a doWriters Guild of America (WGA), que nomeou Barbie como Argumento Original. Geralmente, ambos os prémios estão em sintonia, mas desta feita o conflito de interpreta­ção das regras ficou evidente.

Já aconteceu algo parecido noutras ocasiões, sendo o caso de Moonlight, de Barry Jenkins, o mais citável. Esse filme vencedor dos Óscares em 2017 foi tido pela Academia como um argumento adaptado – inspirava-se numa peça de Tarell Alvin McCraney (In Moonlight Black Boys Look Blue) nunca publicada –, enquanto oWGA o considerou um Argumento Original. Apesar da campanha levada a cabo pela Warner Bros., que lutou no mesmo sentido do Argumento Original para Barbie, o filme de Greta Gerwig ficou refém de uma lógica conservado­ra, segundo a qual os filmes baseados em qualquer referência existente se classifica­m como adaptações. Em termos concretos, é a norma que se aplica às sequelas (veja-se Toy Story 3, Top Gun: Maverick, ou até Joker, que é tão radicalmen­te diferente dos filmes de super-heróis, mas não escapa ao facto de ser uma personagem de banda desenhada).

Em suma, aos olhos dos Óscares, Barbie é um Argumento Adaptado porque nasce de“material existente” em forma de bonecas e bonecos de plástico, da marca Mattel. Que se dane se Gerwig e Baumbach que criaram de raiz uma narrativa e deram vida a personagen­s inanimadas. O certo é que, nesta categoria, Barbie concorre com pesos pesados, como Oppenheime­r, que parte da biografia escrita por Kai Bird e Martin J. Sherwin, A Zona de Interesse, baseado do livro homónimo de Martin Amis, e Pobres Criaturas, a história frankenste­iniana de Alasdair Gray, revista por Tony McNamara, que tem aqui a sua segunda nomeação como argumentis­ta (depois de A Favorita).

Já agora, não deixa de ser notória a ausência de Assassinos da Lua das Flores, cujas 10 nomeações não contemplar­am a adaptação do livro de David Grann... Decisões estranhas da Academia.

A questão torna-se, de facto, pertinente quando comparamos a deliberaçã­o da Academia com a do Writers Guild of America (WGA), que nomeou Barbie como Argumento Original.

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A festa de Barbie já foi.

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