“Sem fundamento”, o ciúme... ”ao que parece”
25 JANEIRO 1974 A empresa fechou no ano 2000. Inaugurada em 1967, chegou a ter dez mil trabalhadores. Em janeiro de 1974,o DN noticiava mais um sucesso da Lisnave: a produção de cascos para superpetroleiros encomendados pela Suécia.
Hoje, há 50 anos, numa meia coluna na página 4, o DN tratava de um tema nessa altura muito pouco habitual na imprensa portuguesa: violência doméstica. No caso, um homicídio, de Maria Amélia Lima Pereira, de 21 anos, datilógrafa, pelo seu marido, Luís Carlos Moreira de Almeida Palma, soldado, de 23 anos.
Porque o arguido era militar na altura, o julgamento decorreu no 1º Tribunal Militar Territorial de Santa Clara, em Lisboa, “perante numerosa assistência” de pessoas do bairro onde o casal morava, Campo de Ourique.
Sendo certo que Maria Amélia morreu, o marido já só chegou ao julgamento acusado de “homicídio frustrado”. Isto porque a mulher não falecera das facadas do marido de que fora vítima, numa violenta discussão, mas sim de, nessa ocasião, para lhe fugir, se ter atirado da janela do prédio em que se encontravam, “batendo com a cabeça no empedrado”. E o marido, ao aperceber-se da atitude de Maria Amélia, até “correu para evitar o acidente”, mas “já foi tarde”: “A mulher morreu ao chegar ao hospital.”
Assim, “segundo o relatório da autópsia, as graves lesões em consequência da queda foram a causa da morte”. E,“quanto aos ferimentos provocados pela agressão do marido, não eram por si só mortais, sendo precisos 15 dias para se curarem”.
O DN noticiava que o “móbil do crime” fora o ciúme de Luís em relação a supostos atos de adultério de Maria Amélia com o seu patrão. Ciúmes “sem fundamento” – mas acrescentando o jornal a esta certeza um dúbio “ao que parece”.
Toda o caso é reportado dentro dos padrões da época. Se tivesse havido de facto adultério (nessa altura um crime previsto no Código Penal), então a violência de Luís Carlos sobre Maria Amélia teria atenuantes.
O “libelo acusatório” dizia que, na ausência do soldado em Elvas, Maria Amélia dera, “sem autorização do marido”, passeios com o patrão e a sua família. Declarantes no processo asseguraram, no entanto, que não havia “a mínima prova de má conduta” nem da vítima, nem do seu patrão. Ou seja: “Não se encontrava nada que pudesse beliscar ao de leve a dignidade da Maria Amélia”. A sessão no tribunal terminou já de noite. A leitura da sentença foi marcada para dia 30.