Conto do assassino artista
No papel, Uma Thurman e Samuel L. Jackson fazem faísca, mas The Kill Room – Arte Fatal não tem calibre para honrar esta reunião dos atores de Pulp Fiction. Um filme a cruzar a arte contemporânea com o mundo do crime, sem tinta suficiente para dar vida à comédia negra.
Atores de Tarantino, eternizados naquele clássico da cultura popular que é Pulp Fiction (entram também ambos em Kill Bill: Vol. 2), Uma Thurman e Samuel L. Jackson, verdade seja dita, nunca tinham partilhado propriamente o grande ecrã. São os dois memoráveis nessa obra do jovem mestre nerd, mas cada um para seu lado, em diferentes blocos de ação. Daí que a comédia The Kill Room – Arte Fatal, segundo filme da realizadora Nicol Paone, surja no panorama de estreias como a concretização de algo que sempre esteve em potência, e que, no mínimo, alimenta a nossa curiosidade. Aqui, Thurman interpreta a dona de uma galeria de arte de Manhattan que está a dar as últimas, e Jackson, ostentando uma barbicha grisalha desviadora de atenções, é um padeiro de Brooklyn que usa o seu estabelecimento como fachada para negócios menos honestos. A forma como as duas personagens se encontram é apenas uma desculpa mal-amanhada para os ver interagir.
Pois bem, a iniciativa parte do padeiro, que vai ter com a galerista para lhe propor um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo o seu livro de cheques e “obras de arte” criadas por alguém só para justificar a transação. Esse alguém acabará por ser um assassino local (Joe Manganiello), que usa o seu próprio método – sufocar as vítimas com sacos de plástico – como matéria e inspiração artística. E já se está a ver o resto da história: aquilo que era suposto passar despercebido, enquanto movimentação do submundo, vai crescendo em novidade no meio da arte, até que ao artista involuntário, sugestivamente chamado Bagman, não reste alternativa senão responder ao fenómeno com a sua presença pública, para desagrado da máfia por trás disto tudo.
Digamos que a trama não faz grande sentido desde o início, e o tema da arte contemporânea como um “vazio” preenchível com altos conceitos pelos críticos e colecionadores também é uma piada demasiado fácil e sem verdadeira cor humorística. Mas em respeito pela presença da dupla de atores que nos interessa, aguenta-se algumas cenas: aquelas em que aparecem os dois. De resto, o filme de Nicol Paone não tem quase nada para mexer com os nervos. Contenta-se com um acumular de pinceladas mornas que nunca adquirem sequer a vibração da ideia esperta.
Samuel L. Jackson, por sua vez, é uma entidade superior na comédia expressiva, no modo como concentra as situações na sua linguagem corporal e frases orgânicas, sem que se note a mão de quem escreveu aquelas linhas de diálogo. Seja o génio de Tarantino ou o insípido e “anónimo” argumentista deste The Kill Room (Jonathan Jacobson), o Jackson do registo cómico tem sempre um tom que é só seu, e qualquer imitação desse tom está votada ao falhanço. Já a Thurman, nem sequer foi dado material a sério para trabalhar. Fica dependente das ocasiões em que partilha energia carismática com o grande senhor dos palavrões no cinema americano, que em Pulp Fiction fala nestes termos: “Motherfucker, do that shit to me, he better paralyze my ass,‘cause I’ll kill the motherfucker.” Ninguém como ele. E não dá para traduzir sem perder a sua voz única.