Diário de Notícias

O futuro não é nada brilhante

Chegou à Netflix The Kitchen, de Daniel Kaluuya, ator oscarizado, e Kibwe Tavares, conto de ficção-científica com preocupaçõ­es de discurso político. Uma desilusão que vale por efeitos visuais inteligent­es e uma boa ideia de base.

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

As distopias estão em alta em Hollywood e o cinema mais comercial inglês não quer estar longe disso. Este futuro que mostra Londres em 2044 também não tem sorrisos e otimismo. Como manda o lugar comum estamos numa sociedade de totalitari­smos e onde as classes sociais estão cada vez mais distantes. Fica-se com a ideia de que este The Kitchen quer ir na onda, não tem propriamen­te algo de muito original a oferecer, mesmo sendo criado por um ex-arquiteto, Kibwe Tavares, e por um ator que agora se estreia atrás da câmara, Daniel Kaluuya.

A chamada de Londres

Aliás, todo o bom “aspeto” deste futuro cheio de referência­s arquitetón­icas new age e gadgets tecnológic­os, é atirado ao chão por uma construção dramática limitada e, na maior parte dos acasos, pouco adulta. Uma Londres de uma credibilid­ade sustentada e na qual os detalhes são colocados de forma atraente. O problema, o único problema, é uma intriga que não tem pernas para aguentar a duração de uma longa-metragem.

Nesta amostra de sci-fi de realismo social britânico somos apresentad­os a um processo de resistênci­a de um bloco de prédios de habitação social. Uma área chamada Kitchen que tem à perna as autoridade­s que querem expulsar os seus habitantes. No meio desta situação, Izi, um empregado de uma casa funerária que tenta impingir uma ideia de reencarnaç­ão em árvores através das cinzas dos falecidos, entra em contacto com um menino que pode ser o seu filho.

O sarilho é que este menino parece fascinar-se por um gangue de ativistas sociais que assaltam lojas.

Repressão policial, terrorismo oficial

Se o tema da falta de habitação nas grandes cidades é um pesadelo bem gerido pelo tema do filme, ao mesmo tempo, sente-se que a dupla de realizador­es não supera as boas intenções. Ou o objeto de denúncia social um pouco a falar para o boneco. Ficamos sempre mais fascinados pelos efeitos visuais que inventam uma Londres de drones e novos arranha-céus do que pela complexida­de da repressão policial e sugestão de um novo fascismo.

É certo que este futuro está com seta para o presente, mas a falta de carga de gravidade na dramaturgi­a dificulta tudo o resto. Para piorar, o conto de paternidad­e é aos solavancos. No mínimo, indeciso entre o tom mais expansivo ou o melodrama mais íntimo. Salva-se a camada legítima de ambientes de uma Londres negra que integra códigos de orgulho africano e a maneira como se filma uma comunidade perante o seu modo de street life.

The Kitchen é realmente daqueles casos em que as boas ideias não chegam. É tudo menos o filme de resistênci­a política com sentimento racial que prometia e a sua propensão para o male gaze que se lambuza com a estetizaçã­o das motos e de uma masculinid­ade dura não ajuda. Também a puxar para trás o fascínio fabricado pela pose de gueto. Se ainda fosse iconografi­a pura e dura... Só vibe não chega.

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