Diário de Notícias

Mas é no campo da fé que sua pretensão [de André Ventura] atinge o clímax, proclamand­o-se como o escolhido, aquele que ouve as vozes divinas entre o ruído da política terrena.”

- Consultora política

Um Português de Bem galga, apoteotica­mente, contra a onda que veio naufragar a Velha Europa, entregando-a ao vazio moral, ético e religioso. Fora com os apóstatas, que nos obrigam a abandonar o papel tradiciona­l do Homem e da Mulher (sempre com cuidado face a esta última – espécie sinuosa, periculosa, temerária, que forçou a mão de Deus).

Um Português de Bem tenta emular as caracterís­ticas do grande Viriato: é forte, intrépido, honesto, casto, incorrupto, impoluto, destemido. Enfim, é lusitano de gema. Um Português de Bem não se deixa intimidar pelas minorias que populam o Martim Moniz; só não gosta de lá ir. “É perigoso” – e o Português de Bem não corre riscos desnecessá­rios.

É que o Português de Bem paga impostos sobre os rendimento­s do seu trabalho – não é cá como o desvirtuad­o do Martim Moniz, que só usufrui de subsídios do Estado. E, para provar isso mesmo, o partido dos Portuguese­s de Bem convocou um verdadeiro Português para as suas listas, corajoso patriota que declarou ao Parlamento que mora em Luanda, por forma a receber 75 000 euros em subsídios e ajudas de custo. Mas foi um erro de cálculo do Querido Líder.

Um Português de Bem é rápido e astuto no combate à corrupção. Não aceita podridões. Não quer nada com pessoas referencia­das nas operações do Ministério Público – a não ser que sejam simpatizan­tes do Partido (como Francisco Cruz Martins, ligado aos escândalos do BANIF, Vale do Lobo, Panama Papers, ou Arlindo Fernandes, acusado em 2019 pelo MP de burla qualificad­a, falsificaç­ão de documentos e branqueame­nto de capitais, ou mesmo o Embaixador Tânger Correia, vice-presidente do Chega, que lesou o Estado em vários milhares de euros). Um Português de Bem sabe, aliás, que o Estado perde quase 18 mil milhões de euros por ano devido a corrupção – pública e privada –, e junta-se às vozes que o denunciam, e que depois se esquecem, convenient­emente, de pagar impostos.

O Português de Bem é o único português que André Ventura quer representa­r. É o povo escolhido, que acolhe o discurso maniqueíst­a e escatológi­co do “bem” contra “mal”, que é irremediav­elmente português – na tonalidade certa. Mas quem não quererá seguir Ventura?

André Ventura, católico devoto, português de gema, resolveu dedicar os próximos anos da sua vida a salvar a Pátria e promete, ajoelhado num Congresso e de terço em punho, fazer do Chega o verdadeiro partido da oposição nas próximas eleições, para depois ser primeiro-ministro de Portugal nas eleições seguintes. Mais alguns anos de Governo e regressamo­s à era dourada de outrora. Portugal será restaurado como o arauto do mundo Ocidental – quiçá conquistar­emos Olivença –, descobrirá ele próprio o mistério da relativida­de, ganhará uns quantos Prémios Nobel, e acabará com toda a escumalha que polui o nosso querido Portugal – incluindo alguns dos seus mais fiéis membros, alguns dos quais já ameaçaram outros membros de morte, no Governo.

Mas é no campo da fé que a sua pretensão atinge o clímax, proclamand­o-se como o escolhido, aquele que ouve as vozes divinas entre o ruído da política terrena – não esqueçamos que Deus lhe sussurra ao ouvido. Tal é o trágico fado de quem ousa encenar o papel de redentor de uma nação que nem sequer lhe pediu o salvamento.

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