Diário de Notícias

Espanha nega que Frontex vá sair do país

- Tenente-General

ministro do Interior de

disse ontem que existe uma negociação dentro da “normalidad­e” com a agência de controlo de fronteiras europeia (Frontex), negando que esta vá parar as suas operações de luta contra a imigração ilegal ou que vá sair do país. Fernando Grande-Marlaska reitera que Espanha é para a Frontex um “país-chave” e que os problemas se resolvam em “horas”.

O El País escrevia ontem que a agência europeia ameaçava deixar o país se não fosse possível chegar a um acordo com as autoridade­s espanholas para renovar as operações conjuntas contra a imigração ilegal. Segundo o jornal, Espanha resistia a assinar as condições propostas pela agência, especialme­nte em matéria de proteção dos dados dos migrantes, cuja responsabi­lidade e titularida­de não quer ceder. A questão é “técnica, não operativa”, segundo o ministro do Interior.

O presidente das Canárias, Fernando Clavijo, avisou que o a suspensão das operações de controlo migratório nas águas espanholas é “uma má notícia” que se traduz “em mais mortes, mais inseguranç­a e mais perigo”, porque as “máfias podem agir com mais liberdade”. Também a Cruz Vermelha avisou que a saída da Frontex iria causar um aumento do número de chegadas e “tudo vai complicar-se muito mais”.

Grande-Marlaska negou contudo que a Frontex vá sair, numa carta datada de ontem, enviada ao Governo das Canárias. Na missiva, citada pela Europa Press, o ministro transcrevi­a textualmen­te uma aclaração da própria agência para sublinhar que esta “elimina qualquer dúvida” sobre uma possível retirada de um país como Espanha que consideram um “sócio-chave”.

“As relações de anos com a Frontex e as operações conjunta são uma relação estreita, positiva e de mútua confiança”, disse o ministro.

Ainvasão da Ucrânia pela Federação Russa, em 24 de fevereiro de 2022, desencadeo­u uma guerra, que é o maior conflito militar em território europeu desde a Segunda Guerra Mundial. Como sabemos, foi necessário apoiar a Ucrânia no seu esforço de guerra, inicialmen­te para parar a invasão russa e, depois, para permitir que as forças militares ucranianas conduzam as operações para tentar expulsar as forças russas do seu território. Este apoio incidiu numa coligação de 54 países, com os Estados Unidos na liderança e com praticamen­te todos os aliados europeus da NATO e da União Europeia (UE), assim como outros parceiros de outras regiões, no designado Ukraine Defense Contact Group (UDCG).

O grupo tem reunido, periodicam­ente, na Base Aérea americana de Ramstein, na Alemanha. Além dos apoios de natureza política e económica, foi necessário apoiar a Ucrânia com equipament­os militares variados, ao longo dos últimos quase dois anos de guerra. Aqui, verificou-se aquilo que já todos sabíamos: que é enorme a vulnerabil­idade dos países europeus em matéria de capacidade­s de Defesa, e que é transversa­l, em maior ou menor grau, a todos eles. Em algumas áreas, como as munições de diversos armamentos fundamenta­is e os Sistemas de Defesa Aérea e antimíssil (não esquecendo os sistemas antidrone) é, deveras, catastrófi­ca.

Chegou-se à conclusão de que, alguns países, para entrarem em operações militares de alta-intensidad­e, do tipo do que se passa na Ucrânia, não resistiria­m mais de 3 dias, pois esgotavam, nesse curto período, os seus stocks de munições dos principais sistemas de armas. Se acrescenta­rmos a isto os reduzidos efetivos militares e a deficiente capacidade de regeneraçã­o, fruto da introdução de sistemas de serviço militar minimalist­as e pouco flexíveis, temos um problema grave de incapacida­de defensiva generaliza­da, com algumas honrosas exceções.

A tudo isto, acresce um muito débil sistema de indústrias de defesa, que não consegue gerar capacidade­s militares de forma minimament­e autónoma, assim como garantir a sua posterior sustentaçã­o. Sem os Estados Unidos estaríamos, todos, à mercê das ameaças que se colocam à Europa, à frente das quais está, a curto prazo, a Rússia de Putin. Em suma, a história da Política Europeia de Segurança tem sido, como já foi escrito por muitos, um exercício de retórica, com muito poucas ações. E aqui a culpa é, essencialm­ente, dos países e reflete-se na política da UE.

Os países do flanco leste da NATO, após a ação russa sobre a Geórgia em 2008 e, posteriorm­ente, sobre a Crimeia em 2014, enveredara­m por inverter a degradação das suas capacidade­s de Defesa, seja ao nível dos armamentos e equipament­os, seja ao nível dos modelos de prestação do serviço militar, voltando muitos deles aos modelos de conscrição, adotando sistemas mistos com serviço obrigatóri­o e voluntaria­do. A expressão desta nova política, e da estratégia decorrente, manifestou-se nos aumentos do investimen­to na Defesa em percentage­m do PIB, bem acima dos 2%, o nível considerad­o mínimo pela Aliança Atlântica para não haver degradação dos instrument­os militares. Mas outros (muitos) mantiveram os níveis de (des)investimen­to, com orçamentos constantes ou diminuídos, naturalmen­te corroídos pelo fator inflação.

A isto acresce que diminuiu, em muitos países, o investimen­to em novas capacidade­s e com os orçamentos alocados ao treino operaciona­l, em valores irrisórios. Os investimen­tos, em investigaç­ão e desenvolvi­mento de novas capacidade­s, mantiveram-se em valores incipiente­s, com o natural impacto negativo na capacidade de ter novas tecnologia­s e uma base industrial de defesa mais robusta.

Tudo isto está hoje à vista, com alguns países a tentarem arrepiar caminho, e outros, nem por isso. A tudo isto junta-se uma muito deficiente coordenaçã­o e sincroniza­ção europeia, onde os problemas desta “Velha Europa” continuam a dominar os mecanismos de decisão para uma política e estratégia europeias de Defesa, eficientes e eficazes, capaz de gerar capacidade­s adequadas a uma ação estratégic­a dissuasora. Tudo ao contrário da tão apregoada autonomia estratégic­a da Europa, outra “buzzword” para europeu ouvir.

A invasão da Ucrânia serviu para os europeus tomarem consciênci­a das suas vulnerabil­idades e da incapacida­de de apoiarem eficazment­e, em termos militares, o povo ucraniano na sua luta pela soberania plena. E de pouco serve ter dinheiro, pois os equipament­os militares não estão imediatame­nte disponívei­s, nem as respetivas munições. Os instrument­os militares preparam-se em tempo de paz, pois são eles que, de forma eficaz, evitam as guerras através da sua capacidade dissuasora ou garantem a defesa do nosso modo de vida, caso este seja ameaçado. A Europa (nem toda, mas uma boa parte) viveu num mundo irreal em termos de segurança nestes últimos anos, sem consciênci­a dos riscos que corria, e ainda corre. E digo sem consciênci­a pois, se foi de propósito ou por desleixo, é bem mais grave.

Mas a realidade é bem mais forte que o pensamento, ilusório, da paz perpétua, que Kant, se fosse vivo, já não acreditari­a. Estamos num tempo em que a Política tem de assumir, de novo, a liderança sobre os grandes desígnios da preservaçã­o da Democracia, em que é necessário aliar Segurança e Desenvolvi­mento de forma mais equilibrad­a, pois não existe uma sem a outra. A Segurança foi subalterni­zada por grande parte dos europeus, com o primado da economia, em função do processo de globalizaç­ão, que desacelero­u. Mas, a mudança na Ordem Internacio­nal, exige que a Política assuma as suas responsabi­lidades.

Nos últimos anos foram aprovados documentos estratégic­os, como a Bússola Estratégic­a da UE, que fizeram a análise do ambiente estratégic­o que interessa à Europa, formulando objetivos e prazos para uma capacitaçã­o global dos países da União. Em simultâneo, a NATO aprovou também um novo conceito estratégic­o, que permite alinhar objetivos, pois a grande parte dos países da UE também são membros da NATO.

No fim do dia, não menospreza­ndo as prescriçõe­s e possibilid­ades dados por ambos os documentos, o que importa em primeiro lugar é reforçar os Orçamentos de Defesa Nacionais (acima dos 2% do PIB), em função das estratégia­s genéticas e estruturai­s que ambicionem suprir as necessidad­es e, muito particular­mente, as principais vulnerabil­idades estratégic­as em termos de capacidade­s de Defesa, recursos humanos incluídos. E a UE terá de assumir que a Segurança da Europa é um pilar tão importante quanto o Desenvolvi­mento, criando mecanismos como o Fundo Europeu de Defesa e o Fundo de Investimen­to Europeu, que permitam apoiar a geração e sustentaçã­o de novas capacidade­s. Não haverá um segundo wake-up call, sendo necessário acelerar o passo para a segurança europeia. A Segurança é um investimen­to, não é um gasto. E Portugal também terá de acelerar, mas desse assunto trataremos numa próxima ocasião.

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