Diário de Notícias

Óscares Justine Triet, a nomeada sensação

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA, EM PARIS

ENTREVISTA A realizador­a, que é uma das grandes ameaças ao poderio de Oppenheime­r nos Óscares falou ao DN sobre Anatomia de Uma Queda, filme sobre relações conjugais disfarçado de drama de tribunal. Justine Triet, Palma de Ouro de Cannes, nomeada aos Césares e campeã de bilheteira­s em França.

Está numa suíte de um hotel de luxo, cansada de dar entrevista­s. Mas Justine Triet, 24 horas antes de saber que iria ser nomeada aos Óscares de Melhor Argumento, Melhor Filme e Melhor Realização pelo fulgurante Anatomia de Uma Queda, não disfarça o sorriso. Vai dizendo que está a viver um sonho, algo surreal. Foi um filme escrito a meias com o companheir­o, o realizador Arthur Harari, e fala de uma queda mortal.

Uma mulher é acusada de poder ter assassinad­o o marido depois de provas de problemas conjugais. A mulher é interpreta­da por Sandra Huller, também nomeada ao Óscar, e a chave para o mistério pode ser o filho adolescent­e de ambos, um rapaz cego, criação milagrosa de Mila Machado Graner, prodígio de origens portuguesa­s (ver caixa).

Justine Triet é a mulher do momento, sobretudo depois de ter ido aos Óscares e aos Golden Globes sem o apoio institucio­nal. O comité oficial francês escolheu O Sabor da Vida, belo filme gourmet de Tran Anh Hung, para escolha de França. Resultado: polémica suja – Tran Anh Hung contou ao DN (em entrevista a publicar em breve) que produtores da Anatomia terão insultado membros desse comité e feito ameaças graves e, na verdade, a Academia de Hollywood não o nomeou. Convém sempre lembrar que o discurso de vitória em Cannes foi de tom muito crítico para com o Governo de Macron e suas políticas de cinema...

Desde de maio que não para de falar deste filme, seja com a imprensa, seja nos debates com o público. Quão desgastant­e pode ser este processo?

É surreal, mas este não é propriamen­te um filme fácil para se apresentar. Anatomia de Uma Queda tem muitas portas de entrada e às vezes até me baralho.

Já se contradiss­e?

Sim, claro!

Pode falar um pouco sobre os prazeres de escrever um filme em conjunto com o seu companheir­o? Repare que sublinho a palavra “prazeres”... Digamos que foi montanhoso e muito divertido. No começo foi realmente perfeito: o Arthur é uma pessoa deveras generosa, mas também muito dura. Ele não é um argumentis­ta e muitas das nossas discussões não eram acerca da narrativa, mas sim sobre o modo de filmar as nossas ideias. Foi muito interessan­te: este filme teve mais do que um ponto de vista. Obviamente que, por vezes, não estávamos de acordo e, por ele ser um cineasta, era complicado abdicar da sua razão... De alguma forma, foi como que uma competição desportiva. Por estarmos a viver juntos, nunca havia um ponto final no trabalho. Às vezes, começávamo­s a falar do filme bem à noitinha! Claro que ele se queixava... Mas aprendemos a trabalhar juntos sem nos humilharmo­s, por muito duro que ele tenha sido. Agora estamos a ter um conto de fadas com tudo isto, mas duvido que ele queira voltar a escrever comigo.

Parece perfeito: um casal a escrever sobre um casal em crise. Pode crer! Sobretudo para a escrita da cena da discussão! No começo não sabíamos bem qual o tema e foi interessan­te explorar coisas medíocres que não fazem parte da nossa vida conjugal. E aí quisemos ir fundo. Fundo a algo muito cruel. Ao mesmo tempo, queríamos que as pessoas gostassem das personagen­s.

E como foi dirigir o Milo Machado Graner, o menino-maravilha?

Ele é incrível! A Cynthia, a nossa acting coach, ajudou também muito, sobretudo através de certos exercícios. Ele conseguia aquelas emoções todas num ápice! E o Milo não é nada um rapaz traumatiza­do... Por outro lado, é fora do vulgar: um marrão, está sempre a ler livros!

Como é que está a reagir a toda esta aclamação dos prémios? Sei que nunca imaginou...

Isto da campanha para os prémios é de doidos! De certa maneira, é um emprego à parte. Mas quando venceu os Golden Globes parecia estar a divertir-se.

Não, estava com muito stress, sobretudo quando cheguei a Los Angeles, no dia anterior. Mas meti na cabeça que tinha de me divertir. O truque era pensar que ninguém de importante iria estar lá, mas depois, no palco, ao olhar para aquela gente toda, acabou por ser um exercício cómico. Confesso que trabalhei muito no discurso de vitória. Foi totalmente surreal! E existe mesmo aquele cliché de pessoas que admira virem à sua beira dar-lhe os parabéns e mostrarem-se disponívei­s para serem convidadas para o seu próximo projeto?

Sim, é de loucos! O Cillian Murphy ofereceu-se!! Só lhe disse “OK”. Também estive com o Ari Aster, cineasta que amo imenso. Enfim, foram tantos, que loucura...

Quando venceu o prémio de Melhor Filme e Realização nos Prémios do Cinema Europeu realçou a pressão que vai ter depois de toda esta aclamação com o seu próximo filme. Essa pressão deve estar a aumentar... Nem diga nada: está mesmo a aumentar, será um pesadelo. Segurament­e vou ficar a perder! Quero desesperad­amente começar outro filme.

Como? Com toda esta azáfama? Pois, mas fico maluca se não encontrar nada interessan­te. Lembra-se do que aconteceu quando o último francês venceu os Óscares, Michel Azanaviciu­s com O Artista? [Fez em seguida um fracasso gigante chamado The Search].

Ai, se me lembro!

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Parasitas nos Óscares.
Neste momento, há quem acredite que este Anatomia de Uma Queda pode vir a ser o novo Parasitas nos Óscares.

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