Na cegueira da corrupção safam-se os do costume
Há uns anos, um escândalo rebentou nos EUA, com a descoberta de um esquema de entradas fraudulentas nas universidades de elite. Verificou-se que muitos pais recorriam a uma forma de falsificar, com colaboração de alguns professores de desporto, as credenciais desportivas dos seus filhos. Isso permitia-lhes que entrassem em universidades conceituadas como estudantes-atletas ou outras qualificações que lhes possibilitavam ultrapassar o rigoroso sistema de triagem para frequentar o suprassumo do ensino superior norte-americano.
Há muito que o sistema de ensino colabora na reprodução das classes altas e das desigualdades na sociedade norte-americana. Mas houve tempos em que um número pequeno, mas ainda assim considerável, de estudantes de classes baixas conseguia chegar às universidades de topo. Nos últimos anos, isso tem sido cada vez mais difícil.
Nos países desenvolvidos, o ensino cumpre a função de reproduzir a hierarquização social. O ensino tem sido um fraco elevador social. E é preciso muito mais que o ensino para que os pobres possam ascender na pirâmide social.
No seu livro A Tirania do Mérito, Michael J Sandel, conta as várias formas que atualmente existem de entrar nessas poderosas universidades. A “pelo lado”, recorrendo à pequena corrupção; a “pelas traseiras”, em que os ricos constroem edifícios das faculdades, como bibliotecas, para os seus filhos poderem ganhar um lugar nas prestigiadas classes desses estabelecimentos de ensino; e depois há a honrosa entrada pela porta da frente, com “mérito”. O que vem esclarecer Sandel é que essa entrada é tão ou mais injusta que todas as outras. Só entram em sítios como Harvard, MIT (Instituto de Tecnologia do Massachusetts) ou Princeton os mais privilegiados e ricos. Só com um grande investimento em explicações, escolas, com um nível de vida muito elevado, é possível passar por essas portas.
Nos EUA, em Portugal e em outros países ocidentais a injustiça das entradas corruptas “pelo lado”, ofuscam as maiores injustiças que se expressam nas “normais” entradas pela frente.
A corrupção medra na desigualdade, floresce com gente que tem acesso fácil aos decisores numa economia em que o capital rentista vive à custa do dinheiro dos contribuintes. Um combate sério à corrupção passa por uma maior democracia, transparência e igualdade entre todos. Mas não tenhamos ilusões, a corrupção é apenas uma cereja em cima do bolo na injustiça. Ela existe por causa da desigualdade, cresce na injustiça e mesmo a sua descoberta nas páginas dos jornais acaba por deixar mais invisível a injustiça de todos os dias. A corrupção mais que um caso de polícia só pode ser resolvida com outras políticas.
Um país em que quase metade da riqueza está nas mãos de cerca de 5% das pessoas e em que os CEO de algumas empresas, do PSI20, ganham mais de 265 vezes o ordenado médio dos seus trabalhadores é um país estruturalmente muito corrupto de tão injusto.
Não há democracia que consiga dar a mesma voz a todos , quando alguns têm tudo e outros nada.
Ironicamente, um partido que costuma berrar muito com a corrupção, em Portugal, é aquele que recebe dinheiro dos mais ricos para lhes prestar serviços. É uma espécie de folclore bem sucedido: vamos fingir mudar tudo, garantindo que tudo fica igual.
Para uma sociedade ser verdadeiramente democrática tem de ser mais igualitária na possibilidade das pessoas poderem construir uma vida melhor e até frequentarem uma universidade de elite.