“A coragem teimosa de seguir em frente”
César Cancelinha, morador em Benfica, dirigiu-se ao DN para contar o “estranho caso” de um cão que não lhe pertence mas o acompanha para todo o lado. O pedido foi um: que o dono “apareça para o recuperar”. Seguiremos o caso, havendo notícia.
Hoje, há 50 anos, o DN noticiava, na página 2, o lançamento do livro intitulado “Quinto ano do Governo de Marcello Caetano”, editado pela secretaria de Estado da Informação e Turismo.
A notícia abria com uma longuíssima citação onde o professor catedrático de Direito que, em 1968, tinha assumido a missão de suceder a Salazar na chefia do Governo de Portugal, recordava os princípios em que o regime assentava: “O serviço da Nação e a defesa da integridade territorial, o respeito às pessoas, a defesa da família, o reconhecimento da propriedade privada e da livre empresa condicionadas às exigências da função social que são chamadas a desempenhar, o acatamento do Estado como expressão do interesse geral para cuja definição devem concorrer os cidadãos através da participação na vida pública mas cuja realização exige um Poder dotado de autoridade suficiente para se sobrepor aos egoísmos dos grupos ou das classes, o repúdio da violência como processo de resolução dos problemas políticos e sociais que só reformas adequadas poderão levar a cabo com vantagem para a coletividade e a melhoria progressiva das condições sociais do povo português mediante a educação e o acesso à cultura, o incremento da produção e a justa repartição dos rendimentos”.
Depois, o redator acrescentava as suas próprias visões pessoais: “Por muito ligeira que seja a sua leitura – ou apressada ou mesmo indiferente – há uma impressão de volume e de qualidade desse volume que se arranca das suas primeiras páginas como quem vê horizonte muito largo do cimo da colina ganha”. Ou seja: “Quinto Ano do Governo de Marcello Caetano” era “um índice” a percorrer “seguramente com respeito pelo que encerra de trabalho honesto, preocupação vigilante e a coragem teimosa de seguir em frente”.
Esse “seguir em frente” acabaria, porém, por não durar mais do que 87 dias, quando os capitães de Abril depuseram Marcelo. O regime iludia-se quanto aos seu futuro e se calhar para isso contribuía uma outra notícia na mesma página. Líderes guineenses muçulmanos acabados de regressar a Bissau vindos de Meca transmitiram às autoridades coloniais que o mundo se se ia “apercebendo” da sua “firme vontade” em “permanecerem portugueses”.