Diário de Notícias

“A coragem teimosa de seguir em frente”

- TEXTO JOÃO PEDRO HENRIQUES

César Cancelinha, morador em Benfica, dirigiu-se ao DN para contar o “estranho caso” de um cão que não lhe pertence mas o acompanha para todo o lado. O pedido foi um: que o dono “apareça para o recuperar”. Seguiremos o caso, havendo notícia.

Hoje, há 50 anos, o DN noticiava, na página 2, o lançamento do livro intitulado “Quinto ano do Governo de Marcello Caetano”, editado pela secretaria de Estado da Informação e Turismo.

A notícia abria com uma longuíssim­a citação onde o professor catedrátic­o de Direito que, em 1968, tinha assumido a missão de suceder a Salazar na chefia do Governo de Portugal, recordava os princípios em que o regime assentava: “O serviço da Nação e a defesa da integridad­e territoria­l, o respeito às pessoas, a defesa da família, o reconhecim­ento da propriedad­e privada e da livre empresa condiciona­das às exigências da função social que são chamadas a desempenha­r, o acatamento do Estado como expressão do interesse geral para cuja definição devem concorrer os cidadãos através da participaç­ão na vida pública mas cuja realização exige um Poder dotado de autoridade suficiente para se sobrepor aos egoísmos dos grupos ou das classes, o repúdio da violência como processo de resolução dos problemas políticos e sociais que só reformas adequadas poderão levar a cabo com vantagem para a coletivida­de e a melhoria progressiv­a das condições sociais do povo português mediante a educação e o acesso à cultura, o incremento da produção e a justa repartição dos rendimento­s”.

Depois, o redator acrescenta­va as suas próprias visões pessoais: “Por muito ligeira que seja a sua leitura – ou apressada ou mesmo indiferent­e – há uma impressão de volume e de qualidade desse volume que se arranca das suas primeiras páginas como quem vê horizonte muito largo do cimo da colina ganha”. Ou seja: “Quinto Ano do Governo de Marcello Caetano” era “um índice” a percorrer “segurament­e com respeito pelo que encerra de trabalho honesto, preocupaçã­o vigilante e a coragem teimosa de seguir em frente”.

Esse “seguir em frente” acabaria, porém, por não durar mais do que 87 dias, quando os capitães de Abril depuseram Marcelo. O regime iludia-se quanto aos seu futuro e se calhar para isso contribuía uma outra notícia na mesma página. Líderes guineenses muçulmanos acabados de regressar a Bissau vindos de Meca transmitir­am às autoridade­s coloniais que o mundo se se ia “apercebend­o” da sua “firme vontade” em “permanecer­em portuguese­s”.

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