Diário de Notícias

Lei da imigração francesa também toca os portuguese­s A direita cada vez mais racista e xenófoba e a extrema-direita que ainda é pior, vão continuar a manter a pressão para enterrar o lema inspirador saído da Revolução Francesa de “Liberdade, Igualdade e F

- Paulo PIsco Deputado do PS eleito pelo círculo da Europa

Anova lei da imigração francesa, aprovada no passado mês de dezembro e agora retocada pelo Conselho Constituci­onal, inscreve-se numa tendência irracional e atentatóri­a dos direitos humanos na forma de lidar com os fenómenos migratório­s, uma vez que acentua a diferença entre os cidadãos, é estigmatiz­ante, agrava as dificuldad­es de integração, divide a sociedade e cria mais tensões.

No debate que tem havido em França, os aspetos da lei mais referidos têm incidido sobretudo nos apoios de solidaried­ade para cidadãos extracomun­itários, mas a verdade é que as questões relacionad­as com a aquisição e perda de nacionalid­ade estiveram à beira de criar uma situação atentatóri­a da história que une portuguese­s e franceses, uma vez que ficaria mais difícil obter por deixar de ser automática pelo direito de solo e mais fácil de perder em situação de condenação grave. Felizmente que o Conselho Constituci­onal reverteu estas medidas, embora fique bem claro o que pretende a direita e a extrema-direita, que neste domínio nem sequer poupa os cidadãos da União Europeia. Já quanto aos processos de expulsão, incluindo de portuguese­s, a situação mantém-se, indiferent­e aos laços especiais que ligam os dois povos, pela história e pelo sangue.

Todo o processo de elaboração da lei foi envolta em polémica e dividiu a sociedade francesa e, apesar do grande recuo imposto pelo Conselho Constituci­onal, isso não significa que a direita, que tem vindo a radicaliza­r as suas posições, e a extrema-direita do Rassemblem­ent National, da dinastia Le Pen, mudem de opinião e desistam de avançar com novos projetos de lei. Pelo contrário, mantêm a intenção de o fazer.

Infelizmen­te, os migrantes estão a ser instrument­alizados, em França e na Europa, para criar um sentimento de medo, inseguranç­a e perda de identidade cultural, levando por vezes os governos a adotar políticas duras, mas de alcance e eficácia duvidosa, relegando os estrangeir­os para uma cidadania diminuída e hostilizad­a, atentatóri­a dos direitos fundamenta­is.

Por isso, a nova lei da imigração francesa serve bem para ilustrar a ilusão dos portuguese­s e de outros migrantes que acham que a extrema-direita os aceita bem e que são diferentes de estrangeir­os com outras origens. Apesar do recuo imposto pelo Conselho Constituci­onal, a tendência para endurecer o enquadrame­nto legal aplicado aos migrantes vai manter-se, inclusivam­ente a supressão do direito de solo, mesmo para os portuguese­s e outros cidadãos comunitári­os estabeleci­das há dezenas de anos em França.

Portanto, nem os portuguese­s nem os restantes cidadãos da União Europeia, mesmo tendo dupla nacionalid­ade, ficam imunes a esta deriva que vai aos poucos fazendo com que deixem de estar em pé de igualdade, visto que poderão ser mais facilmente expulsos, tendência que já se começa a verificar, e isto independen­temente de terem muitos ou poucos laços familiares em França ou Portugal, à imagem do que hoje acontece com muitos descendent­es de portuguese­s que vivem nos Estados Unidos ou na Canadá, fenómeno que é bem conhecido nos Açores.

Os imigrantes têm servido, assim, de instrument­o para que a extrema-direita racista e xenófoba, indiferent­e à dignidade humana, tente ir mais longe nas suas ambições de poder, acicatando a rejeição contra os estrangeir­os e provocando um aumento dos casos de hostilidad­e e agressão verbal e física contra eles. O que é humanament­e inaceitáve­l e social e economicam­ente irracional, visto que esses cidadãos são fundamenta­is para fazer funcionar muitos setores de atividade e para dar resposta ao despovoame­nto dos território­s e ao envelhecim­ento demográfic­o. Além de darem um importante contributo para a sustentabi­lidade da segurança social e para a diversidad­e cultural. Em Portugal, felizmente, tem havido um esforço para dar uma dimensão humana às políticas de imigração, apesar da oposição dos extremista­s de direita.

Portanto, a direita cada vez mais racista e xenófoba e a extrema-direita que ainda é pior, vão continuar a manter a pressão para enterrar o lema inspirador saído da Revolução Francesa de “Liberdade, Igualdade e Fraternida­de”, com leis que diminuem as liberdades, criam mais desigualda­de e exclusão social e são menos solidárias. O que, numa perspetiva dos portuguese­s em França, é manifestam­ente constrange­dor, dada a história, os laços de sangue, a amizade e a cultura que liga os dois povos e países.

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