Diário de Notícias

Um quarto para Lucas e companhia para Zulmira num “Abraço de Gerações”

- TEXTO JOÃO GASPAR

Lucas não tinha dinheiro para arrendar um quarto aos preços de mercado. Por isso o jovem inscreveu-se no programa Abraço de Gerações, que permite partilhar casa com idosos. Acabou por ir parar à residência de Zulmira, uma psiquiatra reformada. Dão-se na perfeição.

Lucas tinha acabado de entrar na Universida­de de Coimbra e não encontrava um quarto a preços que pudesse suportar. A solução surgiu a partir de um projeto que lhe abriu a porta da casa de Zulmira, de 68 anos. As residência­s universitá­rias não tinham vagas e os preços que encontrou de quarto “não eram os mais amigáveis”, recorda o estudante de Esposende. “Tornava-se difícil conseguir ficar num quarto alugado. Foi uma situação complicada.”

Nas pesquisas que foi fazendo à procura de uma solução encontrou o projeto Abraço de Gerações, criado em 2023, em Coimbra, através do qual estudantes universitá­rios podem receber alojamento gratuito em casa de uma pessoa idosa da cidade e, em troca, asseguram companhia e algum apoio em tarefas domésticas. “Eu vi o projeto [...] e acabei por me candidatar. Foi a melhor escolha que fiz”, afirmou.

De seguida, entrou em ação a equipa do projeto dinamizado pela Associação Cozinhas Económicas Rainha Santa Isabel (ACERSI) e coordenado por Teresa Sousa, que faz uma avaliação socioeconó­mica e psicológic­a do estudante e das pessoas mais velhas que queiram participar no programa. Após essa avaliação, que determina a seleção ou exclusão de candidatos (no caso dos estudantes, avaliação de traços de personalid­ade; no caso dos idosos, avaliação de declínio cognitivo, demência e execução de atividades da vida diária), a equipa faz uma espécie de teste de compatibil­idade entre os participan­tes e contacta as duas partes.

Face à situação de urgência de Lucas, que já estava a faltar às aulas há semana e meia por não encontrar um quarto, a equipa acelerou o processo e rapidament­e ele e Zulmira Santos se encontrara­m.

“Demo-nos muito bem”, lembrou o estudante, que, passado um dia daquele primeiro encontro, mudou-se para casa de Zulmira, médica psiquiatra, de 68 anos, reformada há pouco tempo e que já se tinha inscrito no projeto no final do ano letivo de 2022/2023.

Já Zulmira Santos lembra-se de ter ficado um pouco receosa inicialmen­te, por o projeto lhe indicar um rapaz, quando “tinha pedido uma rapariga”. “Fomos ao encontro e de imediato achei que não tinha qualquer problema, que os problemas tinham ficado por ali. Correu tudo bem e preocupava-me a situação de urgência que o Lucas tinha”, recordou a médica, sublinhand­o que o facto de haver um projeto por trás, que assegura apoio e acompanham­ento, deu-lhe outra segurança na decisão.

“Acho que não podia ter pedido melhor e, para o tempo que passou, acho que nos damos muito bem e parece que nos conhecemos há anos”, afirma Lucas. Zulmira corrobora: “Tem sido uma experiênci­a espetacula­r. Excedeu as minhas expectativ­as.” Para a antiga clínica sabe-lhe bem ter “alguém em casa com quem partilhar aspetos da vida, trocar impressões, ver séries”. Passados mais de três meses desde que se conheceram, Zulmira fala de Lucas como “um companheir­ão”, com “sentido de humor” e que faz para que a coabitação “corra bem”.

O projeto não pretende apenas dar uma solução de habitação para estudantes através de uma simples troca – companhia por um quarto –, mas criar relações efetivas e reais entre pessoas de gerações distintas.

No caso de Zulmira e Lucas, é isso que está a acontecer. “Penso que o enriquece e a mim também me enriquece”, frisou Zulmira.

No dia a dia, é a companhia que mais valoriza, já que neste projeto são escolhidas pessoas com autonomia, mas Lucas dá também algum apoio em “pequenas tarefas domésticas”. “O Lucas está sempre [presente]. Sabe quais são [as tarefas em que preciso de ajuda] e não é preciso dizer-lhe, que ele está lá sempre para saber quando é que há de pôr a mão”, afirmou. Ao longo de três meses, para além das séries, os dois acumulam horas de conversas, já que gostam de conversar “sobre tudo e mais alguma coisa”, disse ainda Zulmira. “Desabafamo­s sobre coisas da nossa vida que pouca gente sabe”, acrescento­u Lucas, sublinhand­o que vê a relação que criou com Zulmira como sendo “praticamen­te família”.

Teresa Sousa, coordenado­ra do projeto, não poderia estar mais satisfeita com este caso. “Não nos interessa ter muita quantidade, mas qualidade. Ficamos felizes se integrarmo­s mais pessoas, mas interessa-nos a qualidade do programa e das relações que se criam entre pessoas que não se conhecem de lado nenhum e, passado algum tempo, passam a ser família”, afirmou.

O projeto, de momento, tem três jovens em casas de três idosos de Coimbra e seis estudantes avaliados e com perfil ajustado ao programa mas sem capacidade de resposta do outro lado.

Para exemplific­ar a discrepânc­ia da procura entre os dois lados, Teresa Sousa recordou que já receberam cerca de 100 candidatur­as de estudantes e apenas 10 de idosos desde o arranque do projeto, que ganhou uma maior atenção depois de ser apoiado pela MEO, que disponibil­iza um “acesso vantajoso” a pacotes dos seus serviços e que agrega ainda as respostas que existem deste género a nível nacional no site partilhaca­sa.pt.

“Precisamos de mais pessoas idosas que abram a porta da sua casa e que acreditem neste programa, porque é um programa que é sério, em que há uma avaliação e acompanham­ento do processo e não é preciso haver receio”, vincou Teresa Sousa.

Os interessad­os em participar no Abraço de Gerações podem fazê-lo através do site partilhaca­sa.pt, através do contacto 969372028 ou do e-mail asso.coz.eco@acersi.pt. Jornalista da agência Lusa

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Zulmira, psiquiatra reformada, recebeu o estudante Lucas em casa.

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