Cristina Campos “A fidelidade está sobrevalorizada”
Finalista do Prémio Planeta 2022, o romance Histórias de Mulheres Casadas põe em cena quatro mulheres comuns, que, em determinado momento das suas vidas, querem algo mais do que um casamento morno e confortável. Entrevistámos a autora, a espanhola Cristina Campos.
Não têm a altivez trágica de Anna Karenina ou a sede hedonista de Emma Bovary, mas nem por isso as protagonistas do romance de Cristina Campos Histórias de Mulheres Casadas estão imunes à herança de culpa que a sociedade faz pender sobre o desejo feminino. Ou sobre a falta dele, se o leito é conjugal.
Finalista do Prémio Planeta 2022, este livro reúne quatro mulheres da Barcelona de hoje, unidas pelo facto de todas amarem os respetivos maridos, sem que isso as impeça de pensar sobre o que realmente querem ou mesmo de se sentirem atraídas por outras pessoas. Por vezes, um olhar ou um toque é quanto basta para abrir uma clareira de possibilidades: “E se eu ousasse?” Mas com ela vem também um poço de recalcamento e culpabilização.
Nascida em Barcelona em 1975, Cristina Campos trabalha há mais de 20 anos em produção cinematográfica. Em 2016 publicou o seu primeiro romance, Pan de limón con semillas de amapola, que se converteu num long-seller, com mais de 250 mil exemplares vendidos desde a sua publicação, em 2016, e adaptação ao cinema. Este Histórias de Mulheres Casadas promete seguir o mesmo caminho e já deu lugar a um podcast no Spotify (com o mesmo título), em que o foco está, uma vez mais, na intimidade feminina.
As quatro protagonistas deste romance não são Anna Karenina nem Madame Bovary, são mulheres como nós, com vidas e dúvidas comuns. Como lhe surgiram estas histórias?
Trabalho muito com o alter ego. Há aqui personagens que se parecem bastante comigo, sobretudo Gabriela, a jornalista (profissão que nunca tive), porque creio que me identifico sempre com as personagens que escrevem. Por outro lado, eu própria estou casada há quase 18 anos e temos de reconhecer que é muito tempo. Nestas circunstâncias, admitamos que é normal desejar outro homem, enamorar-se mesmo. Mas a sociedade aceita melhor que isso lhes aconteça a eles. Há outra aceitação. No nosso caso, é talvez mais devastador, porque podemos interrogar-nos se aquele novo interesse nos levará a deixar o marido e até os filhos. E, no entanto, quando alguém se apaixona por outra pessoa, não o está a fazer por maldade ou por insensibilidade. Digamos, no entanto, que para os escritores é talvez mais fácil, porque, através da ficção, podem sublimar essa pulsão. A culpa incide sempre mais sobre as mulheres do que sobre os homens?
Sem dúvida. Quando estava a escrever, falei com muitas pessoas e constatei que quando um homem fala de infidelidade até o consegue fazer de uma maneira divertida. Se lhes perguntamos se querem deixar a família para ficar com a amante, respondem frequentemente: “Não, eu estou muito bem com a minha mulher.” Mas com as mulheres isso não é assim, o que é uma pena. Já pensaste como seria divertido se as coisas funcionassem assim também para nós?
Como foi para si escrever cenas de sexo explícito? Não é comum numa escritora, pelo menos nas literaturas ibéricas. Talvez mais na francesa, com Marguerite Duras ou Annie Ernaux….
Não creio que tenha sentido um pudor especial em escrever estas cenas, mas queria, sim, que fizessem sentido. Por isso pedi várias vezes ao meu marido que as lesse. Ele é realizador de cinema [ Jaume Balagueró] e, por isso, tem um olhar de criador sobre a escrita. Às vezes brincamos com isso, porque ele dirige filmes de terror, em que as mulheres são torturadas, violentadas, e ninguém lhe pergunta se ele se identifica com as suas personagens. Mas a mim perguntam-me constantemente se também tive outros homens, como as minhas personagens. Poder-me-ia ter acontecido, há tantos homens interessantes e atrativos no mundo, mas a verdade é que não aconteceu. Outro aspeto tabu, tratado no seu livro, tem a ver com os sentimentos ambivalentes que as mulheres nutrem em relação aos filhos, sobretudo quando eles são muito pequenos e dependentes. Estas mulheres interrogam-se, em determinado momento, o que fariam se não tivessem sido mães. Isso é muito claro para Gabriela, a jornalista que se apaixona perdidamente pelo amante, que é escritor.
Ela ama o marido, embora já não o deseje, e sobretudo tem um menino de quatro anos que não quer deixar. E interroga-se o que aconteceria noutras circunstâncias. Estas mulheres de que falo são privilegiadas, porque tiveram acesso a uma formação superior e não dependem economicamente dos maridos, mas sentem que têm de fazer estas escolhas. A fidelidade está sobrevalorizada numa época em que a esperança média de vida aumentou muito, e ainda bem. Há dias, pouco antes do Natal, encontrei um amigo que estava a comprar uma prenda muito bonita para a sua ex-mulher. Perguntei-lhe porque o fazia e ele respondeu: “Porque não o faria? Ela foi a mulher da minha vida.” Às vezes, nós, mulheres, somos muito injustas com os homens. Eles também sofrem por amor e sofrem muito porque lhes foi inculcada a ideia de que sobre esses assuntos não devem falar. Devíamos acarinhá-los e desejá-los um pouco mais.
Um dos momentos mais impressionantes do seu livro é aquele em que Silvia, uma das personagens, acede a fazer amor com o marido para que ele não fique triste, mas não sente qualquer prazer. É uma realidade de que se fala pouco e sobre a qual se escreve pouco – este consentimento triste, sem qualquer entusiasmo? É comum que as mulheres acedam para evitar discussões, mas que, no íntimo, só queiram que o homem se despache. É uma verdade que o desejo se desvanece com o tempo, embora eu tenha falado com muitos profissionais (sexólogos e ginecologistas, sobretudo) e todos tenham dito que este não é um caminho sem retorno: tanto nos homens como nas mulheres o desejo é recuperável. Há que trabalhar para isso, o que nem sempre é fácil quando os casais têm filhos.
Muitas vezes, o desejo das mulheres vai para outro lado. É o caso de Gabriela, que se apaixona pelo escritor Pablo.
Aqui funciona o conceito de que também fala: a erótica do poder. No caso de Pablo, o poder intelectual. É um tema que me interessa. Admitamos que, se Pablo fosse um funcionário dos correios, por mais bonito que fosse, não seria suficiente para Gabriela. O poder dos homens atrai as mulheres como a juventude delas os atrai a eles, e eu não sei o que é mais perverso. Quando vemos Flavio Briatore rodeado de modelos, rimos, mas é possível que elas se sintam de facto atraídas pelo poder dele. Claro que se ele fosse um pobre velhinho, a viver da sua pensão, não exerceria o mesmo fascínio. Mas isso não quer dizer que elas não sejam sinceras.