Os guineenses, a educação e as línguas
A exposição CUTE pretende explorar as coisas consideradas “fofas”, como memes e emojis na cultura contemporânea.
Tive no sábado passado o privilégio de assistir a um evento inédito: a primeira reunião de trabalho de um grupo de (ex-)estudantes guineenses do ensino superior em Portugal para discutir questões relacionadas com o ensino, a situação linguística e o papel das diferentes línguas da Guiné-Bissau. A reunião decorreu em formato presencial e remoto, o que permitiu reunir guineenses de vários pontos do país e da Guiné-Bissau.
No início, Luís Blak apresentou o seu trabalho de doutoramento, recentemente concluído, sobre a importância da consciência fonémica na aprendizagem da leitura e da escrita em língua portuguesa por crianças guineenses em idade pré-escolar. A consciência fonémica ou fonológica (“saber que a língua, no seu modo oral, é formada por unidades linguísticas mínimas – os sons da fala […] – e que os carateres do alfabeto representam, na escrita, essas unidades”: https://area.dge.mec.pt/gramatica/o_conhecimento_da_lingua_desenv_consciencia_fonologica.pdf.pdf ) favorece a aprendizagem da leitura e, se a sua promoção é importante para uma criança alfabetizada na sua língua materna, mais o será para crianças alfabetizadas numa língua que não é a sua e lhes é desconhecida, como acontece (infelizmente, digo eu) com a quase totalidade das crianças da Guiné-Bissau.
Após a apresentação, passou-se ao debate entre os participantes. Ficaram claras duas posições distintas relativamente às questões linguísticas e educativas na Guiné-Bissau: a) a dos guineenses que regressaram ou pretendem regressar ao país e contribuir para o seu desenvolvimento, e b) a daqueles que já estão radicados em Portugal ou pretendem fazê-lo. Se para os primeiros está clara a necessidade de defender o multilinguismo na Guiné-Bissau, como parte da identidade nacional, e promover a codificação do crioulo guineense, para os segundos o multilinguismo da Guiné-Bissau é um obstáculo a eliminar, sendo mais importante que os guineenses aprendam português “correto” para que possam mais facilmente integrar-se na sociedade e cultura portuguesas, aprofundando a dicção e eliminando o sotaque. Ambas as posições são entendíveis, sustentadas em diferentes experiências de vida e perspetivas de futuro. Importa, porém, esclarecer conceitos.
‘Dicção’ tem um significado ligado à linguística (articulação dos sons da fala, forma de pronunciar) e outro ligado à retórica (escolha e combinação de palavras com vista à sua boa utilização e expressividade). Não entendi qual significado estava a ser convocado. ‘Sotaque’ significa “pronúncia típica dos falantes de uma determinada região” (e.g., sotaque madeirense) e “forma particular e imperfeita de pronunciar uma língua estrangeira”. Também não sei qual dos significados era referido, mas sei que, para os intervenientes, falar com sotaque é um estigma, uma marca infamante que é preciso eliminar a todo o custo. Entendo o porquê da posição ali defendida: em muitas instituições e empresas portuguesas, é impossível conseguir um emprego quando se tem o “sotaque errado” – o que é uma forma de xenofobia linguística, de classismo.
O primeiro grande Adamastor que se apresenta a estes jovens é o preconceito, o deles e o que sofrem, e que só o conhecimento poderá vencer. Também por isso me congratulo com a iniciativa destes guineenses, que, na semana em que se comemorou o Dia Internacional da Educação, em vez de questionarem o que o seu país pode fazer por eles, procuram determinar o que eles podem fazer pelo seu país. E é muito. Oxalá a vontade nunca lhes esmoreça.