Diário de Notícias

Duas notas sobre a burrice extrema

- João Pedro Henriques Jornalista do Diário de Notícias

Da burrice (1). Hesitei. Será provavelme­nte muito estúpido falar disto. O caso deveria ser rapidament­e atirado para o Arquivo das Notícias Que Não Têm Direito A 15 Segundos de Atenção. Lixo – e não se volta a falar no assunto! Só que não. Eles prometem voltar a atacar. E a acrescenta­r mais estupidez à já imensa que vai inundando, em vagas sucessivas, o espaço público nacional. Talvez alguém leia isto e outras opiniões semelhante­s. Talvez haja quem lhes consiga pôr tino na cabeça. Talvez, talvez, talvez...

Estou a falar da história dos miúdos que incendiara­m um cartaz do Chega em Lisboa. Nem tenho a mania de ter uma indignação por dia a pensar no bem que me faria. Contudo, perante isto, uma pessoa tende a ter ataques de Tourette. Isto quando se fica a saber que o outdoor foi orgulhosam­ente incendiado por um coletivo qualquer que se diz “antifascis­ta” e “antirracis­ta” e que promete mais ações do género. Isto é tão profundame­nte burro, tão incomensur­avelmente estúpido, que é fácil derivar para teorias conspiraci­onistas e começar a cogitar na possibilid­ade de esta miudagem constar na folha de pagamentos de quem quer ver o Chega crescer.

É que só pode. Porque sabemos bem do imenso talento do dr. Ventura para construir um partido onde todo o machismo tóxico se sente confortáve­l. E porque sabemos também daquele talento próprio dos machistas tóxicos que é o de passarem o tempo como crianças mimadas a fazerem-se de vítimas de supostas maldades de outros meninos no recreio, como se andar no recreio da política não implicasse umas vezes dar e outras levar.

Parabéns, então, aos incendiári­os. O dr. Ventura agradece-lhes. Ainda para mais porque, na sua incompetên­cia pirómana, os “antifascis­tas” colaboraci­onistas do Chega fizeram com que a única coisa que se salvasse visível no outdoor fosse a fotografia do dr. Ventura e o símbolo do partido.

Da burrice (2). Tem sido interessan­te seguir as (enormes) manifestaç­ões promovidas nos últimos meses em defesa do direito à habitação (digo-o sem qualquer ironia).

Sabemos como não podem deixar de contar na organizaçã­o com a colaboraçã­o de veteranos formados na ação partidária. Mas isso não retira mérito ao caráter supra partidário dos organizado­res e das respetivas plataforma­s, muitas delas ligadas a um generoso associativ­ismo de bairro.

Dada a dimensão das manifestaç­ões, é natural que nelas se encavalite­m vários ativismos, para lá dos que lutam pelo direito à habitação. Estão de resto assumidos nos manifestos promotores: vão do SOS Racismo à ILGA, passando pela Greve Climática Estudantil e dezenas de outros, de todo o tipo de empenhamen­tos.

É portanto natural que, às costas de quem legitimame­nte luta pelo direito à habitação, apareça quem ache que Israel está a praticar, hoje como sempre, um genocídio sobre os palestinia­nos. E quem até consiga o milagre de ligar os dois assuntos fazendo cartazes, como foram feitos para a última manifestaç­ão da plataforma Casa ParaViver, no caso a realizada no Porto, a dizer “recusamos ser inquilinos de sionistas assassinos” e “fora o capital sionista”.

Sabemos como o antissioni­smo é, na verdade, o biombo por detrás do qual se escondem os antissemit­as que têm vergonha de parecer antissemit­as. E sabemos também como o antissemit­ismo é uma das muita dimensões do problema geral da xenofobia e da intolerânc­ia étnica. Talvez fosse importante à Casa ParaViver demarcar-se, nem que seja para dizer que não deixa estragar o seu combate por outros que nada têm a ver. Mas não. Ouvida pelo DN, a plataforma recusou demarcar-se: “Não fazemos controlo e censura dos panos”, disse uma porta-voz.

A Casa para Viver, pelos vistos, não se importa de ser o Cavalo de Troia para causas xenófobas. Está a dar cabo da sua luta principal e é pena. Aparenteme­nte, lá não sabem como o antissemit­ismo é a ideologia (chamemos-lhe assim, por facilidade de linguagem) onde alguma extrema-esquerda se conecta com alguma extrema-direita. E xenofobia é xenofobia, seja contra judeus (sionistas ou não), ciganos ou imigrantes em geral.

Em suma: estes dois episódios, dos últimos dias, provam que o dr. Ventura está muito bem servido de aliados. Aos que assumidame­nte o são acrescenta­m-se os que fingidamen­te se lhe opõem.

A Casa para Viver não se importa de ser o Cavalo de Troia para causas xenófobas. Está a dar cabo da sua luta principal. Lá não sabem como o antissemit­ismo é a ideologia onde alguma extrema-esquerda se conecta com alguma extrema-direita.”

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