Diário de Notícias

Com Sánchez não se brinca?

- Leonídio Paulo Ferreira Diretor adjunto do Diário de Notícias

Escreveu o El País que na terça-feira Pedro Sánchez “sofreu a sua maior derrota parlamenta­r” desde que é primeiro-ministro. A atitude dos deputados independen­tistas catalães, que votaram contra uma Lei de Amnistia feita para eles mesmos, poderia ser fatal para qualquer político, mas não automatica­mente para o líder socialista. Quem não se recorda como reagiu no ano passado a uma pesada derrota nas eleições locais de maio com a antecipaçã­o das legislativ­as; e como, depois, ao perder por pouco em julho, impediu a formação de um Governo do PP e alargou a aliança de forças esquerdist­as e nacionalis­tas em seu redor para continuar no poder.

Há cinco anos, em vésperas da sua primeira vitória eleitoral (chegou antes ao poder, em 2018, via moção de censura ao conservado­r Mariano Rajoy), publiquei aqui no DN uma análise intitulada Sánchez, o político que ganha mesmo quando perde. E a verdade é que o primeiro-ministro espanhol teve de ultrapassa­r sucessivos obstáculos para se afirmar, primeiro reafirmand­o o PSOE como grande força da esquerda perante a ameaça do Podemos, depois contrarian­do os barões do partido e figuras históricas do socialismo espanhol, unindo-se a seguir até aos partidos bascos e catalães que, de uma forma ou outra, desafiam a unidade de Espanha, e por fim usando a ameaça do extremismo doVox para diabolizar toda a direita, mesmo quando o PP é liderado, como hoje, por um conservado­r clássico, como é o caso de Alberto Núñez Feijóo.

É exatamente a questão dos pactos com os independen­tistas que põe Sánchez mais próximo de ultrapassa­r linhas vermelhas, mesmo para muitos votantes de esquerda. No passado foi criticado por contar com o apoio do Bildu, onde militam antigos etarras. Agora é a dependênci­a dos deputados do Junts per Catalunya que traz ataques.

Sánchez, que se pode vangloriar dos 1,5% de cresciment­o da economia espanhola previstos pelo FMI ser acima da média da Zona Euro e superior aos outros três grandes da UE, tem plena consciênci­a de que, mais cedo ou mais tarde, e certamente na hora de votar o Orçamento, o apoio do Junts será essencial. E, portanto, a estratégia passa agora por recusar a chantagem do partido catalão, o que fica bem aos olhos da maioria da população, e de passar a mensagem de que os independen­tistas estão a pôr em risco a própria amnistia para os envolvidos no referendo ilegal de 2017 só para proteger o líder, Carles Puigdemont, que continua fora do país. O “Não” do Junts, que votou ao lado do PP e doVox, deve-se à recusa do PSOE de incluir na amnistia eventuais crimes de terrorismo e de traição. Tudo por uma possibilid­ade de Puigdemont poder ser acusado de um qualquer crime desse género que o pusesse fora do âmbito da amnistia. O Junts insinua que há juízes com vontade de complicar a situação. Para proteger, em teoria, o antigo presidente do Governo Autonómico da Catalunha, hoje exilado na Bélgica, são, assim, centenas os prejudicad­os diretos. Com o apoio da Esquerda Republican­a da Catalunha, independen­tista mas fiel ao Governo de Sánchez, o PSOE tentará pôr o máximo de catalães contra Puigdemont. E cederá muito pouco, certamente menos do que o Junts.

A sociedade espanhola, excluindo o Vox, tem consciênci­a de que é preciso um compromiss­o entre a ideia de Espanha e os particular­ismos de regiões com um grande sentimento nacional próprio. E que não se pode perpetuar o conflito entre Madrid e a Catalunha, onde boa parte da população nem sequer é independen­tista. Mas ser o Junts a decidir, e a impor condições a toda a hora a quem governa, não é aceitável. E muito menos sustentáve­l. Nunca Sánchez foi tão desafiado. Nunca foi tão complicada a sua resposta; sobretudo, nunca a sua decisão será tão importante para o seu futuro político. Mas, dizem, com ele não se brinca.

A verdade é que o primeiro-ministro espanhol teve de ultrapassa­r sucessivos obstáculos para se afirmar, primeiro reafirmand­o o PSOE como grande força da esquerda perante a ameaça do Podemos, depois contrarian­do os barões do partido e figuras históricas do socialismo, unindo-se a seguir aos partidos bascos e catalães que, de uma forma ou outra, desafiam a unidade de Espanha, e por fim usando a ameaça do extremismo do Vox para diabolizar a direita.”

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal