Incentivos nas Urgências “podem ser uma peça do puzzle, mas não solução para constrangimentos”
MEDIDA A criação de Centros de Responsabilidade Integrada nos Serviços de Urgências, que define o modelo de incentivos a profissionais, foi publicada na terça-feira, na Portaria 28/2024, e está a gerar reações diversas, sobretudo nos médicos. Quem está no
Os Centros de Responsabilidade Integrada (CRI) não são uma novidade no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Começaram como projetos piloto ainda na década de 1990, com a ministra Maria de Belém Roseira, foram deixados de lado pelos governos seguintes, do PS e PSD, e entraram na legislação em 2017. Só nos últimos anos é que a sua criação tem vindo a ser incentivada, e mais até pela atual equipa ministerial de Manuel Pizarro e pela Direção Executiva do SNS. Porquê? Porque é um modelo de gestão que dá uma certa autonomia aos médicos para gerir um serviço, dentro da burocracia que é a gestão do sistema público. Esta foi a explicação tantas vezes dadas para a criação destes projetos, mas também porque assume como princípio “incentivos versus produtividade”. Ou seja, os CRI definem objetivos que têm de ser alcançados, como número de primeiras e segundas consultas ou de cirurgias, e os profissionais são pagos mediante a sua concretização.
Até ao final de 2023, dados oficiais registavam a criação de 41 CRI, a maioria deles nas áreas das cirurgias, geral e ortopedia, mas já há alguns também em Dermatologia e Endocrinologia, na área da obesidade. No fundo, é o modelo para os hospitais idêntico ao usado nas Unidades de Saúde Familiar, nos Cuidados Primários, que tem dado bons resultados. Mas uma coisa são os cuidados primários e outra os serviços hospitalares. E outra coisa aindas são as urgências, alerta quem está no terreno. O diretor do Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, que integra os hospitais Santa Maria e PulidoValente, diz mesmo que “os CRI das urgências não podem assentar na mesma base que os outros”. “Os que existem agora assentam em resultados facilmente mensuráveis do ponto de vista lógico e funcional, numa lógica de produção e números – ou seja, quantas cirurgias e consultas, podendo a partir daqui definir incentivos para os profissionais. Em relação aos CRI das urgências, o grande desafio é não ter mais urgências, porque há uma percentagem muito grande de doentes que
vai lá e não deveria ir. O que nos interessa é atender bem e melhor os doentes que na verdade precisam de cuidados urgentes. Portanto, o grande desafio da criação de um CRI nesta área será o de funcionar com uma base que permita recompensar o trabalho dos profissionais tendo em conta a sua disponibilidade e penosidade”. Ou seja, não poderá ser um CRI que defina “incentivos com base em números de produção”, sustenta João Gouveia.
O diretor do serviço de Santa Maria, que é um dos serviços onde o modelo será aplicado como projeto-piloto, reforça ainda que a criação de CRI nas urgências, ou a introdução de incentivos aos profissionais, “até pode ser uma peça do puzzle para melhorar o funcionamento, mas não é de todo a solução para todos os problemas das urgências”. E explica: “Os problemas nas urgências não têm uma única causa nem uma única solução. É preciso que se perceba isso. Um dos problemas tem a ver com falta de pessoal diferenciado. Os CRI podem ajudar nesta matéria, mas para assumir uma urgência como a de Santa Maria são precisos quase 100 profissionais, fazemos isto 24 sobre 24 horas, sete dias sobre sete dias e 365
365. Portanto, o modelo tem de ser realista para se conseguir fixar profissionais no SNS, especialistas de todas as áreas, de forma a que estes queiram integrar os serviços de urgência”. Para o médico intensivista, além dos incentivos, “há medidas estruturais no SNS que têm de ser tomadas, nomeadamente a criação de urgências referenciadas – a
urgência só receber doentes referenciados, mas para isso há que criar também alternativas rápidas para os doentes que lá vão e não deviam, e que precisam de uma resposta”. Para João Gouveia há outra coisa que ajudará a mitigar os constrangimentos nas urgências: a criação da especialidade de medicina de urgência, que foi votada pela Ordem dos Médicos. “A solução do problema dos urgências tem de passar pela melhoria da Saúde no seu global, sobretudo pela melhoria do acesso à Saúde”, diz.
Sindicatos divergentes quanto aos CRI nas urgências
O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) disse ao que DN que, apesar de não terem emitido um comunicado sobre a Portaria 28/2024, de 30 de janeiro, têm uma opinião sobre o assunto e que esta é, “em primeiro lugar, positiva, já que mais de 20 anos depois de existirem equipas só dedicadas aos serviços de urgências, existe uma regulamentação para incentivos”. Em segundo lugar, porque “um modelo de incentivos ao desempenho, tal como existe nas USF, trará maior atratividade para que os profissionais se organizem voluntariasobre mente”. No entanto, Jorge Roque da Cunha reconhece que o documento publicado é vago e com “metas por definir”, sublinhando: “Os CRI têm potencialidades, mas é preciso criar condições gerais para a atração de médicos no SNS, porque sem médicos não será desenvolvido”.
Para a Federação Nacional dos Médicos (FNAM), esta proposta do ministro Manuel Pizarro não vem “melhorar o trabalho em serviço de urgência e a prestação dos cuidados de saúde”. Pelo contrário, “em vez de apresentar propostas que melhorassem as condições de trabalho dos médicos preferiu uma construção perversa de indicadores para atribuição de incentivos sem qualquer suporte técnico-científico e de difícil concretização”.
Segundo a FNAM, esta portaria, que “pretende alterar de forma estrutural a organização dos serviços de urgência, é vazia quer em medidas que melhorem o trabalho em serviço de urgência, quer em matérias que de facto se traduzam em melhor prestação de cuidados aos doentes que aí recorrem”, considerando mesmo que a criação de métricas, algumas completamente alheias aos médicos, para incentivos “coloca em risco não só os profissionais mas também os doentes”.
De acordo com a Portaria 28/2024, os CRI começarão a funcionar como projeto- piloto nos cinco principais hospitais do país: São João e Santo António no Porto, Universitário de Coimbra, Santa Maria e São José, em Lisboa. E só ao fim de dez meses de funcionamento será feita uma avaliação. No documento, o Governo destaca que “os CRI representam uma alteração de paradigma face à organização tradicional das unidades hospitalares, melhorando o acesso ao SNS, mediante a adoção de lógicas assistenciais colaborativas e participadas, e fomentando o aproveitamento de sinergias e a complementaridade de funções e especialidades”. Por outro lado, os profissionais podem “duplicar o seu vencimento, se cumprirem os objetivos que permitam receber os respetivos suplementos e incentivos ao desempenho”. Uma afirmação que a FNAM também contesta.