Inflação sobe com fim do IVA Zero e luz mais cara
A inflação registada em Portugal interrompeu o ciclo de descidas que durava há quatro meses (desde setembro) e em janeiro subiu para 2,3%, em termos homólogos, isto é, comparando o nível de preços de agora com o de janeiro de 2023, revelou ontem o Instituto Nacional de Estatística.
Em dezembro, a inflaçãotinha baixado para 1,4%, o valor mais baixo desde junho de 2021, estava a economia a despertar e a tentar sair da fase mais mortífera da pandemia de covid-19.
Em Portugal, a introdução da medida do IVA Zero em abril do ano passado, que reduziu o IVA de 6% para 0% em 46 bens alimentares ditos essenciais, também contribuiu para suavizar a subida dos preços.
Os dados do INE mostram que ainda houve um solavanco em alta da inflação em agosto, mas desde então que esta vinha a descer de forma paulatina também, desde setembro que assim foi. Até agora.
“Tendo por base a informação já apurada, a taxa de variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor terá aumentado para 2,3% em janeiro de 2024, taxa superior em 0,9 pontos percentuais (p.p.) à observada no mês anterior”, refere o INE.
“Esta aceleração é, em parte, explicada pelo aumento de preços da eletricidade e pelo fim da isenção de IVA num conjunto de bens alimentares essenciais”, indica o instituto.
Já o indicador de inflação subjacente, isto é, o índice total, excluindo produtos alimentares não-transformados e energéticos, “terá registado uma variação de 2,5% (2,6% no mês precedente)”.
“A variação do índice relativo aos produtos energéticos aumentou para 0,2% (-10,5% no mês precedente) e o índice referente aos produtos alimentares não-transformados terá acelerado para 3,2% (2% em dezembro)”, detalha o INE.
Depois do terramoto de 7 novembro, em São Bento, que culminou na demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro e na dissolução da Assembleia da República, o Ministério Público fez tremer, na passada semana, a Madeira. Consequentemente, será quase certo que este ano será ainda mais recheado de eleições – a confirmar-se, serão quatro: legislativas, europeias, regionais açorianas e madeirenses. Porém, considerando a gravidade do facto de que metade derivam de demissões fundadas nas suspeitas de corrupção e infrações conexas, e de que as taxas de abstenção verificadas nos atos eleitorais mais recentes oscilam entre os 46,4% (eleições autárquicas de 2021) e os 69,33% (eleições europeias de 2019), pergunto-me se estarão os responsáveis políticos – sobretudo, os futuros – preocupados com as perceções dos cidadãos e com as consequências das mesmas.
Luís Montenegro, na sua crónica indecisão, demonstrou com a crise política na Madeira – assim como noutros episódios passados – a sua incapacidade de se afirmar. Pedro Nuno Santos, embora mais carismático e retoricamente mais certeiro, já demonstrou em experiências governativas anteriores que, ao contrário do que apregoa, não é um grande concretizador. Em suma, e de outro modo não seria este o estado em que estaríamos, vê-se muita parra e pouca uva.
Dúvidas haja, o Índice de Perceção da Corrupção (IPC) 2023, publicado ontem, dissipa-as categoricamente. Desde que foi alterada, em 2012, a metodologia desta publicação anual da Transparency International, esta foi – a par de 2020 – a pontuação mais baixa obtida por Portugal (61 pontos em 100). Assim, e numa observação que ainda não considera a queda do Governo, o país mantém-se abaixo da média da União Europeia e da Europa Ocidental, naquele que é um evidente insucesso em matéria de prevenção e combate à corrupção.
De facto, como podem os vários setores da sociedade percecionar o país como transparente quando é passível um ex-primeiro-ministro interpor 40 recursos ainda antes de o caso ir a julgamento, ou quando a própria Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC) é omissa quanto aos principais órgãos políticos, aos órgãos de soberania e ao Banco de Portugal? Naturalmente, não podem. Contudo, o que não pode mesmo prevalecer é a ideia de que a Justiça é forte com os fracos e fraca com os fortes.
Além disso, há também uma dimensão económica associada a esta perceção que não deve ser descurada: a pontuação dos países no IPC está positivamente correlacionada com o PIB per capita dos mesmos. Ou seja, uma pontuação mais baixa neste índice revela um PIB per capita mais baixo. Então, é seguro afirmar que uma maior perceção do fenómeno reflete mesmo mais corrupção, não por serem juízos subjetivos, mas porque esta é indissociável de menores níveis de desenvolvimento socioeconómico, bem como de instituições mais frágeis.
Surpreendentemente, no ano em que a democracia completa 50 anos, parece não estarmos preocupados com a atual normalização do irregular funcionamento das instituições democráticas. Mais, parece ainda não ter entrado na cabeça de muitos que não cabe à política ou à sociedade discutir os processos judiciais, mas sim discutir a ética dos representantes, e se a Justiça está munida dos recursos adequados para garantir um pilar crucial num Estado de Direito.
Como ouvi numa entrevista recente a António João Maia, professor de Ética no ISCSP/Universidade de Lisboa: “Portugal é só corrupção? Era bom que fosse, mas não é.” De acordo, mas combatê-la ajudaria, em muito, a combater alguns dos problemas estruturais que se impõem. Erradicá-la será utópico, mas urge, como recomendado por diversos fora internacionais (à cabeça: GRECO e OCDE), mudar padrões de comportamento e funcionamento, de forma a reparar o Contrato Social entre os cidadãos e as instituições. Isto, caso queiramos continuar a ter uma democracia para celebrar.