Imran Khan: a estrela do Paquistão que passou a “inimigo do Estado”
Impedido de concorrer às eleições de dia 8, o antigo primeiro-ministro paquistanês foi condenado esta semana a um total de 24 anos de prisão em dois processos diferentes.
No espaço de dois dias Imran Khan foi condenado, primeiro, a 10 anos de prisão, por ter revelado segredos oficiais, e ontem a outros 14, por corrupção, num processo relativo as presentes recebidos enquanto estava no poder. Em agosto já tinha sido sentenciado a três anos por um caso de corrupção, o que afastou o ex-primeiro-ministro do Paquistão das eleições do próximo dia 8.
“Mais um dia triste na história do nosso sistema judicial, que está a ser desmantelado”, declarou ontem a equipa do fundador do partido Paquistão Tehreek-e-Insaf (PTI). “Esta decisão ridícula também será contestada.”
Khan tem vindo a enfrentar dezenas de casos desde que foi afastado do poder, através de uma moção de censura, em 2022, mas sondagens levadas a cabo no ano passado consideravam-no o político mais famoso do Paquistão. “[Eu sou] alguém que é conhecido neste país há 50 anos, que provavelmente ganhou todos os prémios deste país e provavelmente o paquistanês mais conhecido e, de repente, estou a ser tratado como uma espécie de estrangeiro, como um inimigo do Estado”, disse o ex-primeiro-ministro, de 71 anos, numa entrevista dada, em junho, à Reuters.
Na mesma ocasião, Imran Khan acusou os militares e o seu serviço de inteligência de estarem abertamente a tentar destruir o seu partido. Nos seus 75 anos de História, o Paquistão tem sido governado, direta ou indiretamente, pelos militares, sendo rara a ocasião em que o seu poder foi desafiado publicamente, como foi feito por Imran Khan.
Esta entrevista aconteceu cerca de um mês depois de Khan ter sido brevemente detido por suspeitas de corrupção, o que deu origem a violentos protestos e ao julgamento de dezenas de pessoas, incluindo membros do seu partido.
Um dos militares a quem Imran Khan aponta o dedo é o general Asim Munir, que diz estar “fixado” em afastá-lo da política. Antes de se tornar chefe do Exército, em novembro, Munir era chefe dos Serviços de Inteligência Militares (ISI) – cargo do qual foi destituído em 2019, quando Khan era primeiro-ministro. “Acho que talvez ele tenha rancor, porque lhe pedi que renunciasse.”
Do desporto à política
Imran Khan tornou-se uma estrela internacional como jogador de críquete, principalmente nos Anos 80, tendo chegado a capitão da seleção do Paquistão. Virou-se para a política pouco depois de abandonar o desporto profissional, tendo fundado, em 1996, o Paquistão Tehreek-e-Insaf (PTI), que significa Movimento Paquistanês pela Justiça, mas foram precisos seis anos para conseguir ser eleito para a Assembleia Nacional, tendo esperado outros 11 anos para que o seu partido se tornasse no segundo mais votado do país.
Na altura em que foi eleito primeiro-ministro, em 2018, já tinha cimentado uma imagem de reformista, o candidato da “mudança” e conquistado o eleitorado com promessas de recuperar a economia, reformar o sistema de impostos e a burocracia, lutar contra a corrupção e dar lugar a uma nova geração de políticos. A par desta imagem de liberal, Khan apelava também à defesa dos valor islâmicos e a um sentimento anti-Ocidente (apesar das suas várias relações com ocidentais), tendo-se verificado um aumento da militância islamista durante o seu mandato. “Prometo que, se Deus quiser, haverá um tipo diferente de governação no Paquistão”, disse então.
Enquanto esteve à frente do Governo do Paquistão, Khan recorreu a empréstimos do Fundo Monetário Internacional para equilibrar a balança de pagamentos, conseguiu reduzir o défice e limitou os gastos na Defesa, o que resultou num ligeiro crescimento da economia. Com a pandemia de covid-19, que combateu com algum sucesso, este cenário reverteu-se e debilitou a sua posição política junto da população. A juntar a isto, Khan terá caído em desgraça junto dos militares.
No final de março de 2022, tinha já sofrido várias deserções que lhe tiraram a maioria parlamentar, situação de fragilidade que levou a oposição a apresentar no mês seguinte uma moção de censura ao seu Governo, o que tornou Khan no primeiro chefe do Executivo paquistanês a ser afastado do poder desta forma, o que levou a protestos um pouco por todo o país.
O líder do PTI alegou então que este afastamento fazia parte de uma conspiração estrangeira por causa das suas políticas sobre o Afeganistão, Rússia e China, mas sem apresentar provas, e, embora nunca falando claramente, as suas posições críticas em relação aos Estados Unidos levaram Washington a negar qualquer interferência – estes seus comentários deram origem ao processo pelo qual foi condenado esta semana a 10 anos de prisão.
Em novembro do mesmo ano, sobreviveu a uma tentativa de assassinato durante um comício político no Punjab.
Os seus apoiantes voltaram às ruas em maio de 2023, quando Khan foi detido brevemente por suspeitas de corrupção, uma detenção considerada depois ilegal por um tribunal. Mas em agosto foi levado outra vez sob custódia depois de ser condenado a três anos por corrupção e impedido de se candidatar às eleições gerais marcadas para o próximo dia 8, estando preso desde então.
“[Eu sou] alguém que é conhecido neste país há 50 anos, (...) provavelmente o paquistanês mais conhecido e, de repente, estou a ser tratado como uma espécie de estrangeiro.”
Imran Khan Ex-primeiro-ministro do Paquistão
Uma grande base de seguidores
Esta semana foram conhecidas mais duas sentenças de dois outros casos – na terça-feira Khan e o número dois do PTI foram condenados a 10 anos de prisão, depois de serem considerados culpados de revelar segredos oficiais; ontem foi a vez de o ex-primeiro-ministro e a mulher serem sentenciados a 14 anos de cadeia por corrupção num processo relativo as presentes recebidos enquanto aquele estava no poder.
Para a correspondente da Sky News na Ásia, as sentenças desta semana são “mais um grande golpe para o antigo jogador de críquete, que já está a cumprir uma pena de três anos por um caso de corrupção”, lembrando que existem ainda mais 150 outros casos, que vão desde desrespeito ao tribunal, terrorismo ou incitação à violência. Cordelia Lynch sublinha, porém, que “ele continua a ser uma força política potente no Paquistão, com uma grande base de seguidores atraídos pela sua retórica antissistema”.
Olhando para as eleições da próxima semana, a jornalista refere que “com a liderança do PTI enfraquecida, a corrida está agora centrada em Bilawal Bhutto Zardari e o antigo primeiro-ministro Nawaz Sharif, recentemente regressado do exílio e ele próprio condenado a 10 anos de prisão por corrupção. “Muitos acreditam que o cenário mais provável será um Governo de coligação”, declara Lynch.