O caso do assassino que o juiz desculpou
Omeritíssimo corregedor de Viseu, magistrado com jurisdição sobre os outros juízes da comarca, era um juiz bondoso, compreensivo e justo – um juiz à antiga, mais antigo até que o espírito da doutrina penal do seu tempo.
O senhor corregedor, enrolado na dignidade da sua beca preta, firme na defesa da ordem e da disciplina, não condenou como um assassino o marido que matou a mulher: despachou-o com benevolência, em nome da moral e dos bons costumes, com a bagatela de dois anos de cadeia.
O caso mereceu notícia na edição do DN de hoje há 50 anos. O julgamento do resineiro de 30 anos, acusado de ter assassinado a mulher, de 20, decorreu ligeiro e apressado. Que o réu tinha cometido o crime – ninguém duvidava. Ele próprio o confessara. O que o tribunal queria saber era se havia testemunhos em abono do marido assassino.
A mulher abandonara o lar, no lugar de Vilar do Monte, e fugira na companhia de homem que os autos identificam como um “saltimbanco”. Deixara o marido, segundo a acusação, e dois filhos menores. Terá andado de terra em terra com o saltimbanco. Mas cansou-se da vida ao deus dará, Até que regressou desiludida ao lugar de Vilar do Monte – onde o marido a assassinou.
Na primeira parte do julgamento, foram apreciados os depoimentos de 20 testemunhas. Oito eram da acusação e, mesmo essas, nada puderam declarar em desabono do bom comportamento do réu – homem trabalhador, exemplar chefe de família, esposo amantíssimo, pai extremoso.
O juiz-corregedor da Comarca de Viseu deu por encerrada a audiência, satisfeito com o que ouviu das testemunhas, e retirou-se para lavrar a sentença – que seria lida, naquela mesma sala do tribunal, no dia seguinte.
A notícia do DN destaca o seguinte passo da decisão do corregedor em referência ao réu: “Porque se justifica perfeitamente a reação violenta do réu contra a mulher adúltera, que abandonou o lar, o marido e dois filhos de tenra idade para seguir o saltimbanco, e uma vez provadas as acusações que lhe foram imputadas, o tribunal decidiu considerar o réu como autor material do crime de homicídio voluntário condenando-o na pena de dois anos de prisão.”