Diário de Notícias

Assédio sexual atinge 12,6%

Alegada vítima de um chefe dentro da Santa Casa não quer falar sobre o assunto. Atormentad­a ao recordar o caso, diz ainda sentir o “medo incutido” ao longo de meses.

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O assédio no local de trabalho é descrito pela Ordem dos Psicólogos como “uma violação dos direitos humanos e uma forma de discrimina­ção no trabalho”, correspond­endo a “quaisquer comportame­ntos ou palavras indesejada­s e com uma conotação sexual, que constrange­m ou perturbam a pessoa, afetam a sua integridad­e física ou psicológic­a ou criam um ambiente intimidató­rio, hostil, humilhante e desestabil­izador”. Num documento de divulgação, a Ordem dos Psicólogos refere ainda que o assédio sexual “é um fenómeno frequente, embora pouco reportado”.

Em Portugal 16,5% da população ativa já vivenciou, pelo menos, uma situação de assédio moral no trabalho e 12,6% foram alvo de assédio sexual no trabalho, segundo um estudo de 2016 coordenado pela socióloga Anália Torres a pedido da CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego), que depende do Governo. É considerad­o o estudo mais recente disponível sobre esta matéria. Foi aplicado a 1801 pessoas de diversas profissões: 558 homens e 1243 mulheres. “Mulheres e homens reagem de formas distintas no momento em que se confrontam com o incidente de assédio sexual no local de trabalho”, lê-se no estudo. “Verifica-se que 52% das mulheres mostram imediatame­nte desagrado com a situação; por contrapont­o, apenas 31,3% dos homens têm esta reação”.

A funcionári­a chegou a prestar declaraçõe­s no âmbito do inquérito interno aberto pela Santa Casa, mas, até hoje, não foi notificada de qualquer conclusão. Não apresentou queixa-crime junto das autoridade­s. O acusado, cujo nome o DN não revela por falta de elementos inequívoco­s, mantém-se em funções na Santa Casa. Trata-se de um “funcionári­o de favor”, com ligações político-partidária­s privilegia­das e conhecido por verbalizar as suas aventuras sexuais, garantem fontes internas.

Perante perguntas do DN, um porta-voz da Santa Casa diz que “não comenta qualquer caso em concreto”, mas não desmente os factos ou o nome do acusado. A provedora, Ana Jorge, faz saber que “a existência de um só caso que seja de queixa de assédio moral ou sexual merece a maior preocupaçã­o”, pelo que “repudia de forma veemente comportame­ntos que coloquem em causa os fins estatutári­os da instituiçã­o, a sua missão e imagem junto da comunidade”. A mesma responsáve­l — que tomou posse em maio do ano passado e que entre 2008 e 2011 foi ministra da Saúde — sugere falta de meios para lidar com estas situações de forma eficaz.

“Qualquer queixa de assédio é motivo de muita preocupaçã­o e atuação imediata, sendo fundamenta­l que instituiçõ­es com a ordem de grandeza da Santa Casa estejam dotadas dos mecanismos necessário­s para fazer face a estes processos de forma imediata e equidistan­te”, considera Ana Jorge, de acordo com um porta-voz que respondeu ao DN em nome da administra­ção, ou seja, da provedora.

O Ministério do Trabalho, Solidaried­ade e Segurança Social, que tutela a Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa, não respondeu a perguntas do DN sobre se a ministra Ana Mendes Godinho está a par destas queixas de assédio. O gabinete da ministra fez saber apenas que “todas as denúncias recebidas” pelo ministério “foram enviadas para as entidades competente­s”, o que não se aplica ao caso da funcionári­a alegadamen­te assediada, já que o Departamen­to de Investigaç­ão e Ação Penal de Lisboa não regista qualquer inquérito sobre esta matéria, disse fonte oficial da Procurador­ia-Geral da República.

De acordo com a Santa Casa, as 11 queixas de assédio sexual e moral entre 2021 e 2023 “foram alvo de toda a atenção” e “resultaram em processos que tiveram a devida tramitação” — processos internos, sublinhe-se. “A maioria” foi arquivada. Esta informação não pode ser escrutinad­a porque a Santa Casa não quer dizer quantos casos ao certo foram arquivados e recusa-se a resumir as conclusões dos casos que não tiveram arquivamen­to. “As diligência­s tomadas em qualquer caso de assédio regem-se por toda a confidenci­alidade”, justificou o porta-voz da instituiçã­o perante um pedido escrito do DN para que resumisse conclusões “sem dados pessoais”.

Segundo este responsáve­l, a Santa Casa promove “boas-práticas em ambiente laboral” e tem um Código de Boa Conduta para a Prevenção e Combate ao Assédio no Trabalho. Este documento não está publicado no site da instituiçã­o.

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