Quinta das Cunhas, a aldeia que (para já) se livrou de desaparecer do mapa
O pequeno lugar do Distrito de Coimbra quase entrava para a história, por motivos poucos desejados: durante um ano, populares e autarcas desunharam-se para garantir um traçado alternativo ao comboio de alta velocidade entre Porto e Soure. Agora há uma luz ao fundo do túnel.
Na Quinta das Cunhas há 10 moradias, e nelas vivem pouco mais de duas dezenas de pessoas, na sua maioria familiares entre si. É um povoado desprovido de serviços, mas carregado de história(s) para quem lá mora e nasceu.
No lugar de Quinta das Cunhas, perto de Coimbra, a população respira de alívio desde meados de janeiro, quando a Infraestruturas de Portugal (IP) anunciou a boa-nova: a alteração ao traçado da linha ferroviária de alta velocidade, entre Lisboa e Porto, seria possível, garantindo assim a sobrevivência da pequena povoação, até agora ameaçada.
A autarquia de Coimbra soube da boa nova quando foi lançada a concessão entre Porto e Oiã, a 12 de janeiro, em Almada. Na sala estavam o presidente da Câmara, José Manuel Silva, e a vereadora Ana Bastos, que detém pelouros como o dos Transportes e Mobilidade. “Mais do que um alívio, foi o resultado de um trabalho desenvolvido, em parte, pela Câmara e, depois, mais materializado pela IP. É ver reconhecido um esforço, neste caso. E, por outro lado, a vontade manifestada pelos próprios moradores”, sustenta a vereadora ao DN.
Mas ainda assim, apressa-se a travar euforias: “Não é uma garantia a 100%. O que aconteceu foi que a IP aprovou a viabilidade de alteração”, explicou ao DN a vereadora Ana Bastos, que tem acompanhado de perto o processo em nome do Município de Coimbra.
“O que vai ser lançado a concessão é o traçado antigo, em que a Quinta das Cunhas é completamente arrasada. Mas o que nós fizemos foi, através do apoio da IP e do projetista, avaliar para concluir que é viável alterar o traçado, permanecendo o lugar e as habitações. E por isso, neste momento, temos a Câmara munida de informação que confirma a viabilidade e, com o próximo concessionário, vamos exigir essa mesma alteração.”
O presidente da Junta da União de Freguesias de Taveiro, Ameal e Arzila não esconde o alívio. Quando no ano passado tomou conhecimento do traçado, percebeu logo o drama: a Quinta das Cunhas desapareceria, e três casas de Reveles também, sendo que uma delas tinha acabado de ser construída.
“Assim que soube, nós, junta de
freguesia, fizemos a nossa própria proposta no sentido de desviar o traçado e salvaguardar as casas. Fomos fazendo sempre pressão”, sublinha Jorge Mendes, que acabou por saber da boa-nova por terceiros, já que afirma não ter sido convidado para a reunião em que a câmara revelou a notícia da possível alteração.
“Mas teremos de estar atentos, para que, quando acontecer o concurso, a empresa que ganhar o projeto final o execute desta forma.” Na verdade, Jorge Mendes tem razões para estar cauteloso, fazendo fé nas declarações da vereadora da Câmara de Coimbra.
Vai fazer um ano em março que o presidente da junta teve conhecimento do traçado da linha ferroviária de alta velocidade entre Porto e Lisboa (fase 1), no troço Porto-Soure. Foram muitos meses de apertos, contactos e lutas, como o próprio reconhece ao DN.
Na Quinta das Cunhas há 10 moradias, e nelas vivem pouco mais de duas dezenas de pessoas, na sua maioria familiares entre si. É um povoado desprovido de serviços, mas carregado de história(s) para quem lá mora e nasceu.
É o caso de Manuel Vaz, 63 anos, que passou “meses sem dormir”, tal como disse ao Diário de Coimbra, em outubro passado. Tinha remodelado a casa há três anos, com um gasto superior a 50 mil euros. João Natário, de 80 anos, não nasceu na Quinta das Cunhas, mas vive lá há 50 anos. E, por isso, partilhou da mesma angústia dos vizinhos. Alguns acompanharam mesmo o presidente da junta em contactos e reuniões. Durante o período de consulta pública do projeto, Jorge Mendes levou uma moção à Assembleia Municipal a exigir alternativas ao traçado. O documento foi aprovado por maioria. Na altura, foi igualmente promovido um abaixo-assinado.
Uma via “fundamental para Coimbra”
O atravessamento de Coimbra pela linha de alta velocidade é encarado como uma mais-valia transformadora para a cidade, a vários níveis. Talvez por isso o município tenha sido dos poucos que deu parecer favorável “de forma bem clara”, como admite a vereadora Ana Bastos, salvaguardando “algumas revisões, o cuidado e o respeito pelos direitos destes proprietários”. “É uma questão que nos preocupa muito, a das expropriações; como é que vão decorrer, os valores patrimoniais, respeitar os direitos de cada um”, embora sempre numa posição “muito colaborativa” com a IP.
Ana Bastos sublinha que a alta velocidade é, para a autarquia de Coimbra, “absolutamente fundamental”, numa altura em que, “por razões de consciência ambiental e das metas que são impostas por vários instrumentos nacionais e europeus, todos sabemos que dificilmente as ligações aéreas se vão manter nos termos em que existem atualmente”. Ou seja, muitas terão de passar a ser feitas de modo ferroviário e não de modo aéreo.
E, por isso mesmo, Coimbra já terá percebido que não vale a pena insistir num aeroporto. “O futuro passará por aqui, pelo modo ferroviário. Ficaremos ligados a Lisboa e Porto por tempos extremamente competitivos.”