Diário de Notícias

Quinta das Cunhas, a aldeia que (para já) se livrou de desaparece­r do mapa

- TEXTO PAULA SOFIA LUZ

O pequeno lugar do Distrito de Coimbra quase entrava para a história, por motivos poucos desejados: durante um ano, populares e autarcas desunharam-se para garantir um traçado alternativ­o ao comboio de alta velocidade entre Porto e Soure. Agora há uma luz ao fundo do túnel.

Na Quinta das Cunhas há 10 moradias, e nelas vivem pouco mais de duas dezenas de pessoas, na sua maioria familiares entre si. É um povoado desprovido de serviços, mas carregado de história(s) para quem lá mora e nasceu.

No lugar de Quinta das Cunhas, perto de Coimbra, a população respira de alívio desde meados de janeiro, quando a Infraestru­turas de Portugal (IP) anunciou a boa-nova: a alteração ao traçado da linha ferroviári­a de alta velocidade, entre Lisboa e Porto, seria possível, garantindo assim a sobrevivên­cia da pequena povoação, até agora ameaçada.

A autarquia de Coimbra soube da boa nova quando foi lançada a concessão entre Porto e Oiã, a 12 de janeiro, em Almada. Na sala estavam o presidente da Câmara, José Manuel Silva, e a vereadora Ana Bastos, que detém pelouros como o dos Transporte­s e Mobilidade. “Mais do que um alívio, foi o resultado de um trabalho desenvolvi­do, em parte, pela Câmara e, depois, mais materializ­ado pela IP. É ver reconhecid­o um esforço, neste caso. E, por outro lado, a vontade manifestad­a pelos próprios moradores”, sustenta a vereadora ao DN.

Mas ainda assim, apressa-se a travar euforias: “Não é uma garantia a 100%. O que aconteceu foi que a IP aprovou a viabilidad­e de alteração”, explicou ao DN a vereadora Ana Bastos, que tem acompanhad­o de perto o processo em nome do Município de Coimbra.

“O que vai ser lançado a concessão é o traçado antigo, em que a Quinta das Cunhas é completame­nte arrasada. Mas o que nós fizemos foi, através do apoio da IP e do projetista, avaliar para concluir que é viável alterar o traçado, permanecen­do o lugar e as habitações. E por isso, neste momento, temos a Câmara munida de informação que confirma a viabilidad­e e, com o próximo concession­ário, vamos exigir essa mesma alteração.”

O presidente da Junta da União de Freguesias de Taveiro, Ameal e Arzila não esconde o alívio. Quando no ano passado tomou conhecimen­to do traçado, percebeu logo o drama: a Quinta das Cunhas desaparece­ria, e três casas de Reveles também, sendo que uma delas tinha acabado de ser construída.

“Assim que soube, nós, junta de

freguesia, fizemos a nossa própria proposta no sentido de desviar o traçado e salvaguard­ar as casas. Fomos fazendo sempre pressão”, sublinha Jorge Mendes, que acabou por saber da boa-nova por terceiros, já que afirma não ter sido convidado para a reunião em que a câmara revelou a notícia da possível alteração.

“Mas teremos de estar atentos, para que, quando acontecer o concurso, a empresa que ganhar o projeto final o execute desta forma.” Na verdade, Jorge Mendes tem razões para estar cauteloso, fazendo fé nas declaraçõe­s da vereadora da Câmara de Coimbra.

Vai fazer um ano em março que o presidente da junta teve conhecimen­to do traçado da linha ferroviári­a de alta velocidade entre Porto e Lisboa (fase 1), no troço Porto-Soure. Foram muitos meses de apertos, contactos e lutas, como o próprio reconhece ao DN.

Na Quinta das Cunhas há 10 moradias, e nelas vivem pouco mais de duas dezenas de pessoas, na sua maioria familiares entre si. É um povoado desprovido de serviços, mas carregado de história(s) para quem lá mora e nasceu.

É o caso de Manuel Vaz, 63 anos, que passou “meses sem dormir”, tal como disse ao Diário de Coimbra, em outubro passado. Tinha remodelado a casa há três anos, com um gasto superior a 50 mil euros. João Natário, de 80 anos, não nasceu na Quinta das Cunhas, mas vive lá há 50 anos. E, por isso, partilhou da mesma angústia dos vizinhos. Alguns acompanhar­am mesmo o presidente da junta em contactos e reuniões. Durante o período de consulta pública do projeto, Jorge Mendes levou uma moção à Assembleia Municipal a exigir alternativ­as ao traçado. O documento foi aprovado por maioria. Na altura, foi igualmente promovido um abaixo-assinado.

Uma via “fundamenta­l para Coimbra”

O atravessam­ento de Coimbra pela linha de alta velocidade é encarado como uma mais-valia transforma­dora para a cidade, a vários níveis. Talvez por isso o município tenha sido dos poucos que deu parecer favorável “de forma bem clara”, como admite a vereadora Ana Bastos, salvaguard­ando “algumas revisões, o cuidado e o respeito pelos direitos destes proprietár­ios”. “É uma questão que nos preocupa muito, a das expropriaç­ões; como é que vão decorrer, os valores patrimonia­is, respeitar os direitos de cada um”, embora sempre numa posição “muito colaborati­va” com a IP.

Ana Bastos sublinha que a alta velocidade é, para a autarquia de Coimbra, “absolutame­nte fundamenta­l”, numa altura em que, “por razões de consciênci­a ambiental e das metas que são impostas por vários instrument­os nacionais e europeus, todos sabemos que dificilmen­te as ligações aéreas se vão manter nos termos em que existem atualmente”. Ou seja, muitas terão de passar a ser feitas de modo ferroviári­o e não de modo aéreo.

E, por isso mesmo, Coimbra já terá percebido que não vale a pena insistir num aeroporto. “O futuro passará por aqui, pelo modo ferroviári­o. Ficaremos ligados a Lisboa e Porto por tempos extremamen­te competitiv­os.”

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O atravessam­ento de Coimbra pela linha de alta velocidade é encarado como uma mais-valia transforma­dora para a cidade.

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