Diário de Notícias

Tornou-se sobretudo transparen­te que uma religião que seja contra o ser humano, o diminua ou amesquinhe, das duas uma: ou é uma religião falsa ou interpreta-se mal a si própria.”

- Padre e professor de Filosofia.

pois, insistindo no mandato da evangeliza­ção, exclui implicitam­ente a escravizaç­ão, porque os baptizados não podiam ser escravizad­os.

Hoje é sabido que 20 milhões de africanos foram escravizad­os.

Há uma Constituiç­ão do Papa Clemente XI, que proíbe a leitura da Bíblia, incluindo os Evangelhos, aos leigos, e especialme­nte às mulheres.

Pio VI condenou a “detestável filosofia dos direitos do Homem”. Pio XI condenou a evolução.

No termo do século XX, o teólogo Eugen Drewermann escreveu: “Há 500 anos a Igreja recusou a Reforma; há 200, o Iluminismo; há 100, as ciências naturais; há 50, a psicanális­e.

Como viver com tantas rejeições?”. E o cardeal Carlo Martini, que o Papa Francisco cita, constatava que “a Igreja anda atrasada mais de 200 anos”.

Apesar de tudo, julgo poder afirmar que no cômputo global o saldo é superior a favor da religião, nomeadamen­te do cristianis­mo. Esta evocação histórica não é, portanto, de modo nenhum um exercício de masoquismo. Quer apenas mostrar que se tornou absolutame­nte claro que não só não é humano, mas tremendame­nte perigoso, aderir de modo cego a uma religião. A fé não é produto da razão, mas a fé autêntica exige a intervençã­o da razão crítica. Foi esta intervençã­o que levou, por exemplo, à compreensã­o de que os livros sagrados – a Bíblia, o Alcorão ou outros – não são ditados divinos; por isso, precisam de interpreta­ção, de uma hermenêuti­ca histórica, não podendo ser engolidos na sua totalidade de modo acrítico. Tornou-se sobretudo transparen­te que uma religião que seja contra o ser humano, o diminua ou amesquinhe, das duas uma: ou é uma religião falsa ou interpreta-se mal a si própria.

Não me canso de sublinhar que o Novo Testamento “define” Deus como “Amor Incondicio­nal” (Agapê) e também como Lógos (Palavra, Inteligênc­ia, Razão) e, por isso, uma vida autenticam­ente humana e cristã se realiza no cruzamento do amor e da inteligênc­ia, da bondade e da razão. E peço aos críticos e inimigos de Francisco, o Papa-cristão que procura levar a Igreja ao Evangelho e trazer o Evangelho à Igreja, que não se esqueçam das desgraças da História.

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