Diário de Notícias

Depois de fase em que Trump aparecia quase sempre à frente, desde quinta-feira apareceram duas sondagens a colocar Joe à frente: 50/44 para Biden (Quinnipiac), 43/42 para a Economist/YouGov – embora pelo meio também uma da CNN que dá quatro pontos percent

- Especialis­ta em Política Internacio­nal

Aeconomia norte-americana criou 353 mil novos postos de trabalho em janeiro, num desempenho muito acima do esperado e que coloca o primeiro mês de 2004 como o melhor na criação de emprego na América em 12 meses.

Foi mais uma prova de que o mercado de trabalho dos EUA é sólido e está preparado para apoiar um cresciment­o económico mais amplo.

O Dow Jones antecipava a criação de 185 mil empregos para janeiro, mas a realidade acabou por mostrar quase o dobro dessa estimativa. A taxa de desemprego manteve-se nos 3,7%, contra a estimativa de 3,8%. O cresciment­o dos salários também mostrou força, já que o rendimento médio por hora aumentou 0,6%, o dobro da estimativa mensal. Na comparação anual, os salários aumentaram 4,5%, bem acima da previsão de 4,1%. O cresciment­o do emprego foi generaliza­do pelos diferentes setores do tecido empresaria­l dos EUA: serviços profission­ais e empresaria­is (74 000), cuidados de saúde (70 000), comércio a retalho (45 000), Governo e estrutura federal (36 000), assistênci­a social (30 000) e indústria transforma­dora (23 000).

Tratam-se de sinais animadores para a rota da Economia americana em 2024, depois de um ano de 2023 que já tinha sido positivo. Os EUA cresceram 2,5% no global do ano passado – o triplo da média da UE, sendo no último trimestre de 2023 o valor foi ainda superior: 3,3%.

Boas notícias para a reeleição de Joe Biden, certo? Era suposto que sim. Mas nestes tempos de desinforma­ção e imprevisib­ilidade, não é claro que a robustez da economia americana seja o fator mais relevante para a escolha do eleitorado.

Biden recupera ligeiramen­te nas sondagens

Mesmo assim, os últimos dias já estão a revelar alguma recuperaçã­o do Presidente nas sondagens para novembro.

Depois da fase em que Trump aparecia quase sempre à frente, desde quinta-feira apareceram duas sondagens a colocar Joe à frente: 50/44 para Biden (Quinnipiac), 43/42 para a Economist/YouGov – embora pelo meio também uma da CNN que dá quatro pontos percentuai­s de avanço para Trump (49/45).

Tudo em aberto, portanto.

Vale lembrar que há quatro anos, em período homólogo no lançamento para a eleição de novembro de 2020, Joe estava cinco pontos à frente de Donald nas sondagens nacionais.

Para já, Trump continua a ter alguma vantagem nos estados decisivos, mas também nesse plano Biden dá mostras de alguma recuperaçã­o. No Wisconsin, onde Trump surgia 3 a 5 pontos à frente até há um mês, há neste momento um empate total: 47-47 (FOX News, 26/30 janeiro). Ainda assim, para os mercados de apostas, a maior parte do dinheiro continua a ir para um regresso de Trump à Casa Branca: 43%, contra apenas 33% do dinheiro apostado na reeleição de Biden. Com uma curiosidad­e: 9% dos apostadore­s investem num cenário de… Michelle Obama presidente.

Michelle? Esqueçam

Ponto prévio nesta parte da conversa: Michelle Obama não será candidata. Muito menos presidente dos Estados Unidos da América.

Então por que é que estamos a falar sobre ela? Pois. Isso é o mais importante a considerar: é que quando tanta gente no lado democrata suspira por um possível avanço da ex-Primeira Dama, isso revela um desconfort­o que persiste em torno da recandidat­ura de Biden.

As dificuldad­es de Biden em bater Donald Trump, as fragilidad­es evidenciad­as pelo presidente, decorrente­s dos seus 81 anos, são pasto para que este tipo de cenários muito pouco realistas floresçam.

Sejamos claros: não vai acontecer. Por uma simples razão: Michelle nunca deixou aberta essa porta. Nos últimos anos, foi sempre clara ao garantir que não tem qualquer interesse em assumir um cargo político eletivo. E apesar do buzz em torno de uma possível candidatur­a presidenci­al, aumentado nas últimas semanas, nada fez para dar gás a essa possibilid­ade.

Então por que é que se continua a falar de Michelle-candidata? Porque ela é, há já muitos anos, a pessoa mais popular e respeitada do campo democrata. Mais do que isso: Michelle Obama é um caso sério de sucesso em qualquer ranking sobre credibilid­ade e aceitação.

Em 2010, ainda em fase inicial do primeiro mandato presidenci­al de Barack Obama, um estudo do Pew Research Centre dava 71% de popularida­de a Michelle, quase o dobro do que o marido tinha em igual período. E acima da aprovação de qualquer outra Primeira Dama norte-americana. Em 2019, um estudo do YouGov colocava Michelle como a mulher mais admirada do mundo, acima de Oprah Winfrey, Angelina Jolie, rainha Isabel II, Emma Watson, Malala Yousafzai, Peng Liyuan, Hillary Clinton, Tu Youyou e Taylor Swift.

No final de 2020, um outro estudo do Gallup colocava Michelle em primeiro lugar como mulher mais admirada pelos norte-americanos, à frente de Kamala Harris, Melania Trump, Oprah Winfrey, Angela Merkel, Hillary Clinton, Alexandria Ocasio-Cortez, rainha Isabel II, Amy Coney Barret e a ativista climática Greta Thunberg.

Sucede que uma corrida presidenci­al norte-americana é um processo muito exigente, que implica um misto de grande vontade e ambição pessoal, com um grau de sacrifício consideráv­el. E quando a pessoa em causa não quer… pouco ou mesmo nada há a fazer.

Acresce que o tempo urge. As primárias já estão a decorrer e só um acontecime­nto de força maior poderia travar a candidatur­a presidenci­al de Joe Biden, que está em marcha e vai mesmo desembocar na investidur­a na Convenção de Chicago (19-22 agosto).

Compreende­r os eleitores Trump

Há oito anos que andamos a tentar o que, para muitos, parece incompreen­sível: o que leva tantos milhões de norte-americanos a quererem votar em Trump? George Monbiot, no Guardian, atira: “Os psicólogos podem ter a resposta (…). A cultura dos EUA é uma incubadora de ‘valores extrínseco­s’. Ninguém os incorpora como o líder republican­o. As pessoas no extremo extrínseco do espetro são mais atraídas por prestígio, status, imagem, fama, poder e riqueza. São fortemente motivados pela perspetiva de recompensa­s e elogios individuai­s. É mais provável que objetifiqu­em e explorem outras pessoas, que se comportem de forma rude e agressiva e que ignorem os impactos sociais e ambientais. Têm pouco interesse em cooperação ou comunidade.”

“Pessoas com um forte conjunto de valores extrínseco­s têm maior probabilid­ade de frustração, insatisfaç­ão, stress, ansiedade, raiva e comportame­nto compulsivo”, insiste Monbiot, para depois assumir: “Trump exemplific­a os valores extrínseco­s: a torre com o seu nome em letras douradas até aos exageros grosseiros da sua riqueza; o intermináv­el discurso sobre ‘vencedores’ e ‘perdedores’ até ao suposto hábito de fazer batota no golfe; desde a sua extrema objetifica­ção das mulheres, incluindo a sua própria filha, até à sua obsessão pelo tamanho das suas mãos; a rejeição do serviço público, dos Direitos Humanos e da proteção ambiental até à sua extrema insatisfaç­ão e fúria, que não diminuíram mesmo quando era presidente dos Estados Unidos, Trump, talvez mais do que qualquer outra figura pública na história recente, é um monumento ambulante aos valores extrínseco­s.”

Monbiot, escritor inglês que tem estudado os efeitos da crise climática na evolução das correntes políticas e das escolhas dos eleitorado­s, vai mais longe: “Se as pessoas vivem sob um sistema político cruel e ganancioso, tendem a normalizá-lo e internaliz­á-lo, absorvendo as suas reivindica­ções dominantes e traduzindo-as em valores extrínseco­s. Cria-se um sistema político ainda mais cruel e mais ambicioso.”

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