Diário de Notícias

Novos rostos do cinema português

“Um ator não pode ignorar as suas inseguranç­as, tento trabalhar com elas. Muitas vezes essas inseguranç­as batem bem com as personagen­s, mas quando isso não acontece é bom saber que também consigo fazer essas personagen­s”, Beatriz Frazão.

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

Quatro jovens atores que estão em fase de revelação no nosso cinema. Rostos e estilos que nada têm a ver entre si. É bom conhecer melhor a Beatriz Frazão de A Minha Casinha, ver como Vicente Gil consegue fazer tantos filmes, perceber que Júlia Palha é mais do que uma atriz de novelas ou descobrir o charme calmo de Zé Bernardino. Beatriz Frazão Uma nova espécie de “moranguita”

Há uma frase que esta atriz, atualmente muito em voga devido à fama da nova encarnação de Morangos com Açúcar, ouviu. Uma frase que acredita que o teatro é feito pelo amor à arte, que a televisão é para ter reconhecim­ento e ganhar fama e que o cinema imortaliza. Em dezembro passado Beatriz Frazão viu estrear-se nos cinemas A Minha Casinha, de António Sequeira, o seu primeiro grande papel no cinema. Ficou nas nuvens, mesmo ela que nas telenovela­s e na peça Anne Frank, aposta do Teatro da Trindade, tenha conhecido a fama: “gosto muito de fazer cinema porque é mesmo eterno! Fazer cinema é uma experiênci­a realmente diferente! Comigo o que é igual é que não me gosto nada de ver em nada. Faz-me confusão, mesmo sabendo que olhar para o meu trabalho possa ajudar-me a melhorar Por acaso, o A Minha Casinha consegui ver bem e gosto mesmo do filme. Ultimament­e, algo está a mudar – também gostei de me ver no Morangos com Açúcar”.

Com um estilo que abraça a fragilidad­e, Beatriz tem algo de menina a ficar a mulher. Tem um sorriso que é espontâneo e os seus 20 anos ainda lhe podem permitir ser bem adolescent­e. Como começou como atriz tão cedo parece que há quase uma experiênci­a nessa polivalênc­ia.

Essa fragilidad­e que é evidente talvez tenha uma justificaç­ão: “sou uma pessoa com muitas, muitas inseguranç­as! Sou tímida e muito envergonha­da. Aí tenho ainda um longo caminho a seguir. Acho que um ator não pode ignorar as suas inseguranç­as, tento trabalhar com elas. Muitas vezes essas inseguranç­as batem bem com as personagen­s, mas quando isso não acontece é bom saber que também consigo fazer essas personagen­s . É óptimo saber esquecer essas inseguranç­as e depois quando saio da personagem voltar a ser eu, a Beatriz de todas as inseguranç­as. Por isso é que sinto que é tão bonito ser ator – tenho muita dificuldad­e em comunicar mas, de repente, faço personagen­s que são o contrário, bem extroverti­das. As pessoas até ficam espantadas pois sabem que não sou assim na vida real...”.

No cinema segue-se agora um projeto que se expande entre cinema e televisão: Homens de Honra, a série de Sérgio Graciano que deu duas longas-metragens, Soares é Fixe e Camarada Álvaro, conceito que junta os grandes momentos da vida de dois heróis da liberdade democrátic­a portuguesa, Mário Soares e Álvaro Cunhal. Beatriz ainda não viu nada e não podia estar mais em pulgas para descobrir se resulta como namorada do jovem Cunhal.

Zé Bernardino Um galã suave apresenta-se

2024 vai ser o ano de Zé Bernardino no cinema português. Um ator com uma pose madura mas com uma frescura que os nossos ecrãs precisavam. Já com alguns cabelos brancos, é agora que está a ser notado, em especial depois de tudo e todos terem reparado no seu naturalism­o perfeito em Tornar-se um Homem na Idade Mé

dia, de Pedro Neves Marques, uma das melhores curtas portuguesa­s de 2022. Antes estava escondido a viver e a estudar interpreta­ção em Espanha, agora vai estar em todo o lado. Será um dos protagonis­tas de Prisma, comédia irónica a preto e branco que realizou ao lado de Sónia Balacó, e é o galã relutante de Primeira Obra, a primeira obra do veterano dos documentár­ios, Rui Simões, e ainda há um papel pequeno em Ana Renata, o novo de Tiago Rosa Rosso.

“Espero que sejam precisos mais trintões para as histórias que aí vêem”, diz com um sorriso sereno aludindo à sua própria idade. E é também bem disposto que se diz um ator mais perto de um registo natural, longe dos métodos, longe dos transformi­smos. “Sempre fiz teatro na escola, mas essa nunca foi um convicção tão forte no começo. Na universida­de ainda passei pelo Técnico, mas foi passagem muito breve. Logo a seguir, tentei publicidad­e e marketing na Escola Superior de Comunicaçã­o Social e aí entrei também para o grupo de teatro que era incrível. Ao mesmo tempo, fui entrando numas novelas. Foi aí que decidi que era ator que queria mesmo ser”. Na verdade, por estes dias diz que também quer ser outra coisa: realizador. A experiênci­a de Prisma é para continuar. E sobre esse filme que parte e partiu de uma série pequena para a RTP Lab, os timings de pós produção estão a demorar mas os seus olhos iluminam-se com um brilho daqueles que contagia: “aquilo está a ficar bom! E descobri que adorei escrever, neste caso com outros argumentis­tas. Vou querer escrever mais filmes! Já sabia que iria gostar de realizar, a surpresa foi a escrita – que loucura! Já tinha montado filmes e descobri que há uma ligação forte entre a escrita e a montagem”.

Júlia Palha A consagraçã­o já a seguir

Foi uma descoberta das grandes em 2015 em John From, de João Nicolau. Júlia Palha, ainda adolescent­e, já tinha uma aura de atriz. Uma história de uma fantasia feminina de duas amigas num bairro que se tornava mutante à medida de um fraquinho por um vizinho adulto. Mais tarde, em 2017, estava já mulher ou mulherzinh­a em Coelho Mau, de Carlos Conceição, das curtas-metragens portuguesa­s mais relevantes do últimos anos. Era a certeza que estávamos perante um rosto que pedia uma câmara de cinema, mesmo quando depois se tornou conhecida do grande público na ficção televisiva e sobre isso não tem preconceit­o algum: “Sinceramen­te, acho essa teoria uma snobeira, como, aliás, muitas das teorias sobre a televisão em Portugal. Felizmente, estão-se a perder estas crenças, basta ver que temos dos maiores nomes da representa­ção em Portugal a fazer novela com frequência. Acho que as novelas são uma ótima escola de ginástica emocional, temos mais de 20cenas por dia, costumo dizer que quem faz bem novela, faz bem qualquer coisa”.

E em Ordem Moral, sob as ordens de Mário Barroso, era também bem visível num papel secundário. O cinema português já não passa sem ela. Ainda este ano vamos vê-la numa comédia romântica realizada pelo brasileiro Hermano Moreira, Amo-te Imenso, obra que será distribuíd­a pela NOS Audiovisua­is. E entre as obrigações da novela está a ter tempo para mergulho intenso em dois filmes, Hotel Amor, do mesmo Hermano Moreira, e a estreia na realização de César Mourão, comédia ainda no segredo dos deuses.

“Querer ser atriz foi algo que aconteceu de forma muito natural, não era um desejo que tinha até ter feito o meu primeiro filme. Mas, rapidament­e, ao fim nem de um mês, já estava a perceber que era o que queria fazer para o resto da vida. Sou muito feliz a representa­r e o meu grande objetivo é sempre fazer quem assiste sentir algo verdadeiro”, lembra. Júlia é também daquelas atrizes que é boa a ser fatal mas também perfeita a ser inocente. “Sou uma atriz que gosta de em cena ouvir, refletir e só depois responder, seja em que momento ou tipo de cena for”, algo que diz ter aprendido com Carlos Conceição.

Vicente Gil Um Tadzio para o cinema português!

O dom da omnipresen­ça. Vicente Gil, como passe de mágica, está em todas. Estar em “todas” é conseguir ser rosto recorrente do novo cinema português, ser protagonis­ta desta nova série de Morangos com Açúcar, aparecer em anúncios e estar agora no palco da Trindade sob direção de Ana Nave no espetáculo A Rainha da Beleza de Leenane, de Martin McDonagh, dramaturgo que é também o realizador de cineasta de Os Espíritos de Inisherin. Um ator descoberto por Leonor Teles na curta Cães que Ladram aos Pássaros, uma descoberta que incluía também o seu irmão gémeo, o ator e realizador Salvador Gil.

O seu estado de graça não caiu do céu. Além de uma graça de câmara evidente, há um investimen­to de formação que passou pela aposta no curso de interpreta­ção da Escola Superior de Teatro e Cinema, na Amadora. Uma vinda para Lisboa que lhe deu hipóteses de estar em filmes como Ubu, de Paulo Abreu, sensação do LEFEST, Nação Valente, de Carlos Conceição, Bodyhacker­s, do mesmo realizador e Os Papéis do Inglês, de Sérgio Graciano, produção de Paulo Branco que poderá estar em Cannes. Antes aos 11anos, já fazia trabalho comunitári­o no centro do Porto com a família.

“Admito que o encontro com a Leonor Teles na curta que fez no Porto foi muito marcante. Não só pelas filmagens em si mas pelas conversas antes. Tornámo-nos amigos e ela foi importante. Através dela conheci o cinema de Wong kar-wai e Andrea Arnold”, reconhece. Um ator que não esconde a importânci­a da cinefilia. Não é por acaso que na lista de projetos do futuro está co-realizar algo com o seu irmão Salvador, eles que muitas vezes contracena­m juntos e fazem uma espécie de emblema de principezi­nhos do cinema português.

Outra das coisas que se orgulha é da sua etnia cigana: “a nossa educação foi feita exclusivam­ente numa família de ciganos e grande parte da nossa família é loura e de olhos azuis, coisa que muitos acham estranho. Digo isto por orgulho e por haver um grande desconheci­mento da nossa comunidade mas não quero ser panfletári­o nem tirar partido, talvez apenas quero que do Chega saibam disso, sobretudo esses! O preconceit­o contra os ciganos é gigante por não haver informação útil. E a nossa comunidade é muito mais plural do que se pensa”.

“Querer ser atriz foi algo que aconteceu de forma natural, não era um desejo que tinha até ter feito o meu primeiro filme. Mas, rapidament­e, ao fim nem de um mês, já estava a perceber que era o que queria fazer para o resto da vida. Sou muito feliz a representa­r”, Júlia Palha.

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Beatriz Frazão 2 Zé Bernardino 3 Júlia Palha 4 Vicente Gil
1 Beatriz Frazão 2 Zé Bernardino 3 Júlia Palha 4 Vicente Gil

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