Diário de Notícias

Carta aberta a quem quer que seja que manda nisto tudo se é que a função não prescreveu ou o órgão não se extinguiu por inactivida­de

- José Júdice Diretor do Diário de Notícias

Excelência! Mais alto Magistrado deste sítio! Alteza! Chefe Supremo! C EO! Eminente! Proeminent­e! Preeminent­e! Categoriza­do e Relevante Senhor! Presidente do Conselho de Administra­ção! Egrégio Engenheiro! Licenciado Doutor! Dr. Professor! Meu Príncipe!

Tomo a liberdade de lhe escrever esta carta aberta que é, mais que um desabafo ocioso domingueir­o ou uma chamada de atenção fruto de não ter mais nada que fazer a não ser postar azedumes no Facebook, um imperativo cívico. A bem da Nação.

Saberá V. Ex.ª que vivo num país onde, 50 anos após ter sido derrubada uma infame ditadura, onde os portuguese­s estavam condenados a não ter Saúde, a não ter Educação, a não ter Justiça, a não ter casa e a não ter pão, nada de verdadeira­mente importante para as suas vidas se passa.

Vivo num país onde todos os portuguese­s têm finalmente um sistema público de Saúde bem providenci­ado de médicos e de enfermeiro­s.

Vivo num país onde os hospitais estão sempre abertos e disponívei­s para atender quem deles precisa.

Vivo num país onde cada cidadão tem o seu médico de família e não necessita de esperar horas intermináv­eis ao frio e à chuva para ser atendido.

Vivo num país onde quem sofre de doença grave não morre na ambulância ou numa maca no corredor do hospital sem que lhe seja providenci­ado tratamento para os seus males e alívio para as suas dores.

Vivo num país onde as grávidas não têm de consultar sites na internet para saber onde é que podem dar à luz num hospital público.

Vivo num país onde os médicos e as enfermeira­s recém-licenciado­s com um custo enorme do Estado para a sua formação não emigram assim que têm o diploma nas mãos.

Vivo num país onde todas as crianças frequentam a escola básica, todos os adolescent­es a escola secundária e todos os jovens que o quiserem a universida­de e de lá saem com um certificad­o de habilitaçõ­es que garante que sabem ler e escrever.

Vivo num país onde todos os cidadãos cumprem escrupulos­amente os seus deveres cívicos e não fogem aos impostos.

Vivo num país onde as pessoas, quando abrem um livro, é para o ler e não para contar notas.

Vivo num país onde ninguém deita lixo para o chão, nem beatas acesas pela janela do carro.

Vivo num país onde não se esperam 50 anos para decidir onde construir um aeroporto.

Vivo num país onde não é necessário esperar quatro anos de burocracia para construir uma fábrica.

Vivo num país onde não há milhares de pequenas e médias empresas em risco de falência, porque o Estado não paga o que lhes é devido.

Vivo num país onde não há 400 mil pessoas a viver em casas indignas.

Vivo num país onde não há 10 mil pessoas sem tecto.

Vivo num país onde os jovens não vivem com os pais até aos 30 anos, porque não conseguem pagar uma renda de casa.

Vivo num país onde a Justiça funciona sem privilégio­s para ninguém.

Vivo num país onde os acusados são julgados antes de os seus alegados crimes terem prescrito.

Vivo num país onde ninguém é preso sem ser presente a um juiz de Instrução antes que os investigad­ores concluam as suas investigaç­ões.

Vivo num país onde quem rouba uma galinha é tratado do mesmo modo que quem rouba o aviário.

Vivo num país onde 4 em cada 10 pessoas não está no limiar da pobreza.

Vivo num país onde 2 em cada 10 crianças e 2 em cada 10 velhos não são pobres.

Vivo num país onde 10% das pessoas, mesmo trabalhand­o, não são pobres.

Vivo num país onde quem ganha melhor não ganha dez vezes mais que os que ganham menos.

Vivo num país onde os pais levam os filhos ao futebol sem correr o risco de serem agredidos.

Vivo num país onde não é necessário fazer leis contra a corrupção, porque não há corrupção.

Vivo num país onde não se fazem leis contra a corrupção que não são aplicadas, porque não há corrupção.

Vivo num país onde nunca se criou uma entidade nacional para a transparên­cia que cinco anos depois continua sem funcionar, porque aqui tudo é transparen­te.

Vivo num país onde não se fazem leis ao sabor dos escândalos do momento e que não são aplicadas.

Vivo num país onde não há escândalos, porque todos os dinheiros públicos são escrutinad­os pelos cidadãos e os organismos públicos nada escondem.

Vivo num país onde os eleitos prestam contas a quem os elegeu, sem nada esconderem.

Vivo num país onde os eleitores sabem o nome dos que elegeram.

Vivo num país onde ministros saem do Governo e os autarcas das câmaras tão ricos como entraram.

Vivo num país onde deputados não dizem que vivem em África para receberem subsídios de deslocação.

Vivo num país onde o chefe do maior partido não recebeu 200 mil para se deslocar todos os dias ao trabalho, porque, apesar de viver a 10 minutos do Parlamento, dizia que morava no cu de Judas.

Não vivo num país onde o político que mais sobe nas sondagens tem uma vassoura na cabeça.

Vivo num país onde nada disto acontece. Vivo num país onde 50 anos depois todos têm saúde, todos têm educação, todos têm casa, todos têm pão.

É que, Alteza, vivo na Lua.

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