Diário de Notícias

Morreu, no Brasil, o último ministro do Estado Novo

Rui Patrício serviu Salazar como subsecretá­rio de Estado do Fomento Ultramarin­o. Caetano fê-lo ministro dos Negócios Estrangeir­os. O blindado passou com dificuldad­e por entre a multidão que enchia o Largo Carmo e Rui Patrício nunca mais se esqueceu dos gr

- TEXTO MANUEL CATARINO

Rui Patrício assegurou uma nota de curiosidad­e na História: foi o último ministro dos Negócios Estrangeir­os da ditadura. Morreu ontem, aos 91 anos, no Rio de Janeiro – onde viveu nos últimos 50 anos convencido de que o “25 de Abril foi a derrota de uma nação”.

Foi um aluno brilhante da Faculdade de Direito e um fiel colaborado­r do regime. Passou pelo Gabinete do ministro do Ultramar, pela Comissão de Coordenaçã­o dos Serviços Provinciai­s de Planeament­o e Integração Económica – até que Salazar, em 1965, o eleva a subsecretá­rio de Estado do Fomento Ultramarin­o. Chegará, com Marcello Caetano, em janeiro de 1970, à chefia da diplomacia portuguesa, cargo que fora ocupado por Franco Nogueira, um dos delfins do fundador do Estado Novo.

Marcello Caetano – o escolhido para suceder a Salazar, incapacita­do pela doença – fez questão de herdar o Governo do antecessor. Mas nos dois anos seguintes, sem pressas, o presidente do Conselho foi deixando cair os ministros um a um, num delicado e discreto jogo de sombras. O último a ser substituíd­o foi Franco Nogueira, um dos falcões do regime, tenaz adversário de Marcello no interior do regime. Rui Patrício, o homem que carregava no erres, tinha 33 anos quando tomou posse, em 11 de janeiro de 1970. Portugal, o único país da Europa que teimava em manter as colónias, estava sob fogo da diplomacia mundial.

Naquela quinta-feira de abril de 1974, refugiou-se no Quartel do Carmo. O chefe do Governo, Marcello Caetano, também para lá foi, aconselhad­o pelo diretor da polícia política, Silva Pais. O Governo foi deposto e o regime caiu.

Rui Patrício acompanhou Caetano na chaimite Bula, entre o Carmo e o Posto de Comando do MFA, no Quartel da Pontinha. O blindado passou com dificuldad­e por entre a multidão que enchia o Largo Carmo e Rui Patrício nunca mais se esqueceu dos gritos que ouviu: “Assassinos!”, “Assassinos!” Dormiu nessa noite na Pontinha, com um guarda armado à porta do quarto.

Na manhã seguinte, uma noite passada em claro, foi avisado de que iria para a Madeira, como medida de proteção. Pediu para não ir. Fizeram-lhe a vontade. Cinco meses depois, resolveu ir para Paris, à procura de emprego. Não se demorou em França. Um mês e meio depois, tentou a sorte no Brasil. Arranjou trabalho no Departamen­to Financeiro de uma empresa de venda de automóveis. Será depois administra­dor de várias empresas.

Esteve em Portugal, em 2008, para participar num colóquio sobre a diplomacia portuguesa entre 1968 e 1974. “O 25 de Abril e a descoloniz­ação que se lhe seguiu foi a autoderrot­a da nação. África fazia parte da Nação Portuguesa”, disse.

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Rui Patrício saiu de Portugal em 1974 e só voltou uma vez: em 2008, para um colóquio.

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