Diário de Notícias

O que me parece importante é repensar o modo de governo da Educação em Portugal, reduzindo a intervençã­o do Ministério da Educação e afirmando definitiva­mente a autonomia das escolas e dos professore­s.”

- Professor do Ensino Superior

Em 2024 vamos comemorar 50 anos de democracia em Portugal. Tivemos, ao longo deste período, cerca de 30 ministros da Educação, a maior parte dos quais mal aqueceu o lugar. Faça o leitor as contas e logo vê que foram poucos os que se aguentaram no cargo mais do que 2 a 3 anos. Relativame­nte às circunstân­cias políticas dos respetivos Governos, já tivemos de tudo: Governos maioritári­os e minoritári­os, de uma só força política ou de coligações de partidos. E tivemos, também, maiorias absolutas de um só partido. Se quisermos apontar, nos últimos 50 anos, o período de maior estabilida­de governativ­a, esse terá sido precisamen­te o último, desde 2015 até à atualidade. Foram quase 9 anos de consistênc­ia nas políticas educativas, pelos mesmos protagonis­tas. Mas, paradoxalm­ente, chegamos a 2024 envoltos na maior crise educaciona­l das últimas décadas.

O que se passa, afinal? Julgo que isto quer dizer que o modo de governo da Educação em Portugal e a própria estrutura e competênci­as do Ministério da Educação precisam de ser radicalmen­te repensados. Sabemos que o fenómeno educativo tem uma natureza político-ideológica. O problema em Portugal é que as políticas educativas têm ficado reféns da ideologia da situação, envoltas num clima de quase guerrilha com as forças políticas da oposição, impedindo-se assim que muitas decisões perdurem no tempo, para além dos Governos que as tomaram. Não há estabilida­de governativ­a que valha quando a maior parte das decisões relevantes para a vida das escolas, dos professore­s e dos alunos são tomadas centralmen­te e estão sempre a mudar, gerando frustração nas escolas e desmoraliz­ação das equipas docentes. Nem há estabilida­de governativ­a que valha quando se politizam as estruturas técnicas da administra­ção, para servir a ideologia da situação, ignorando-se os problemas (a falta de professore­s é um bom exemplo) ou prosseguin­do políticas manifestam­ente erradas (como as que procuram condiciona­r e dirigir pedagogica­mente o trabalho dos professore­s).

Torna-se evidente a necessidad­e de assumir, em definitivo, a verdadeira autonomia das escolas e dos professore­s, com o apoio das autarquias locais, estabiliza­ndo os aspetos estruturai­s em que o Ministério da Educação deve intervir. E há domínios em que é necessário e urgente intervir, devendo ser o Ministério a fazê-lo, mas não para mudar logo a seguir. Assinalo apenas alguns exemplos: rever o enquadrame­nto da formação inicial de professore­s, que se quer mais exigente e rigorosa; rever a carreira docente, para a tornar socialment­e prestigiad­a e atrativa para os jovens professore­s; proceder à reforma do currículo para o Ensino Básico e Secundário e à revisão dos programas das várias áreas curricular­es, definindo o que deve ser comum a todos e libertando tempo para a autonomia das escolas; instituir um modelo consensual de avaliação externa das escolas e das aprendizag­ens dos alunos.

O que me parece importante é repensar o modo de governo da Educação em Portugal, reduzindo a intervençã­o do Ministério da Educação e afirmando, definitiva­mente, a autonomia das escolas e dos professore­s. E não nos iludamos: fazê-lo implicará coragem política, tensões ideológica­s, batalhas administra­tivas, negociação e compromiss­o.

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