Virtudes dos carros elétricos também lhes podem tirar valor
Evolução constante da tecnologia e da capacidade da bateria podem prejudicar o valor residual no mercado de um veículo elétrico usado. Mas não é consensual que desvalorize mais do que um modelo equipado com motor de combustão.
Atecnologia associada aos veículos elétricos e a constante evolução das plataformas e da própria capacidade das baterias têm sido trunfos das marcas na sua corrida para a eletrificação. No momento da aquisição, os clientes, na sua larga maioria empresariais, parecem rendidos aos upgrades dos construtores a cada novo modelo elétrico lançado no mercado.
Mas, quando se trata de veículos elétricos usados, o caso muda de figura. E o que é uma “virtude” tecnológica tende a contribuir para desvalorizar mais estes modelos face aos “tradicionais” de combustão interna. Embora os números não sejam consensuais, a maior desvalorização de um veículo elétrico pode implicar um valor residual mais baixo, o que significa que o carro valerá menos no mercado de revenda.
Mas as opiniões do setor dividem-se neste ponto.
Confiança nas baterias
Nuno Castel-Branco, diretor-geral do Standvirtual, não tem dúvidas: “Tal como se observa nos EUA e em vários mercados da Europa, a depreciação dos veículos elétricos está a ser superior à dos veículos de combustão, essencialmente devido ao aparecimento massivo de novas marcas com grande foco na eletrificação e, por isso, com cada vez preços mais competitivos, o que vem pressionar os valores residuais.”
“A par disto, tivemos, em 2023, uma redução muito significativa de preço nos modelos Tesla, que, como sabemos, tem muita influência na forma como o restante mercado se posiciona”, diz Nuno Castel-Branco.
“Sabemos que a tendência aponta para que os carros elétricos estejam cada vez mais acessíveis, pelo aumento do volume disponível, mas, também, pela pressão europeia para atingir a neutralidade carbónica e, claro, porque as soluções tecnológicas se vão tornando cada vez mais económicas para o consumidor”, explica o responsável do Standvirtual, plataforma que, durante este mês de fevereiro, apresentará o seu Annual Report, um estudo aprofundado da comparação
desvalorização atual dos carros elétricos vs. carros com motor a combustão.
Existem características ou práticas que contribuam para uma melhor retenção de valor para esses veículos no mercado de usados? “A grande preocupação de quem compra um carro elétrico usado é, na sua maioria, o estado da bateria. Por isso, o nosso maior conselho é seguir as boas-práticas para estimar a bateria do veículo, como, por exemplo, evitar demasiados carregamentos rápidos, evitar também carregar para além dos 80%, tal como evitar ir abaixo dos 20%. Procurar o mais possível uma condução que permita o máximo de autorregeneração, em particular na condução citadina, reduzindo, assim, o número de carregamentos a realizar na vida útil da bateria”, recomenda Nuno Castel-Branco.
“De resto”, reforça, “é um carro igual aos outros, que deverá ter os mesmos cuidados de um carro de combustão”.
Desvalorizações iguais
Mas nem todos se reveem na opinião de que os veículos elétricos desvalorizam mais. “Quanto maior a diversidade de oferta de novos automóveis elétricos, mais unidades surgem no mercado de usados – atualmente, ronda os 5% do total do mercado”, explica Nuno Silva, presidente da Associação Portuguesa do Comércio Automóvel (APDCA).
“Se compararmos com um veículo de combustão, a desvalorização é igual. Continua a ser uma questão de procura e de oferta. Não há uma diferenciação na desvalorização da viatura de combustão para a viatura elétrica de nova para usada”, defende o responsável.
“À medida que os carros novos vão saindo, com tecnologias que os tornam um pouco mais baratos, o preço nos veículos elétricos é nivelado. As baterias, por exemplo, raramente dão problemas, exceto se tiverem uma utilização excessiva, o mesmo acontece num motor de combustão”, diz. E exemplifica: “Existem baterias para a primeira geração do Nissan Leaf que oscilam entre 2000 e 5000 euros, consoante a potência da bateria. Na verdade, custa o mesmo do que um motor de combustão a gasolina de pequena cilindrada”, salienta a mesma fonte.
Acrescenta ainda Nuno Silva que “não existe um valor percentual específico de desvalorização dos automóveis elétricos”. Por exemplo, “um Leaf de 2021 ou 2022, com bateria de 40kW, já se vende entre os 20 000 e os 24 000 euros, com IVA incluído. Sabendo o preço dos carros novos, dá para ter uma noção da percentagem, mas isso está relacionado com os níveis de equipamento,
com o número de quilómetros e com o estado geral da viatura”, diz.
Oferta e procura
“Através da Indicata, uma plataforma de análise presente em 13 países, conseguimos monitorizar o mercado de automóveis usados em tempo real, todos os dias e a toda a hora”, enquadra Miguel Vassalo, diretor-geral da Autorola.
“Não há qualquer tipo de moda
dulação, ou seja, olhamos para a forma como os carros estão anunciados e, com base na análise do comportamento, no presente e no passado, estabelecemos uma tendência”, explica. “Em breve, ainda no primeiro trimestre deste ano, teremos uma ferramenta de forecasting que vai permitir prever valores de desvalorização”, revela o gestor.
“Para tal, são tidos em conta vários parâmetros para comparar com as viaturas de combustão. Desde logo, o desenvolvimento tecnológico tem sido muito acelerado. Outro fator é a política fiscal e os apoios para a transição energética. Um indicador importante é o marketplace daily supply, que revela o equilíbrio ou o desequilíbrio entre a oferta e a procura a cada momento”, sublinha.
“Não somos nós que dizemos ao sistema quanto é que vale essa diferença: entre dois carros com quilometragens diferentes, é o próprio mercado que diz como valoriza essa diferença”, afirma.
O mercado dos usados é como todos os outros mercados. “A relação entre oferta e procura é o fiel da balança. Em meados de 2023, os elétricos começaram a descer de preço, fruto de um desequilíbrio entre a oferta e a procura, com mais carros no mercado”, conta Miguel Vassalo. “Depois, houve também alguns reposicionamentos no preço dos novos, nomeadamente na Tesla, o que levou a alguma volatilidade, com uma queda mais acentuada nos BEV [veículo elétrico a bateria]”, sublinha o responsável.
“No início de 2024, houve alguma descida nos carros de combustão e uma descida maior nos elétricos. Tendencialmente, mesmo que o preço não mexa, a curva é descendente, porque o carro vai desvalorizando, todos os meses, umas décimas de percentagem”, conclui.
Diesel desvalorizam mais
Henrique Sánchez, presidente honorário da Associação dos Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), tem uma leitura mais otimista para este segmento. Conforme explica, os veículos elétricos, como qualquer produto ou equipamento inovador e com uma grande incorporação de tecnologias recentes, neste caso, as baterias, estão sujeitos a uma contínua inovação tecnológica, como, aliás, observamos nos telemóveis, nos computadores portáteis, nos tablets ou nos televisores”, refere. “De qualquer forma, estas atualizações tecnológicas não desvalorizam significativamente o próprio veículo elétrico, pois ele continua a responder às necessidades dos seus utilizadores. Nalguns casos, são até implementadas atualizações OTA (over-the-air) que permitem uma valorização do próprio veículo elétrico no pós-venda”, adianta Henrique Sánchez.
“A desvalorização dos veículos elétricos não nos parece ser um problema atual. Diria que é bem mais crítica a desvalorização dos veículos com motores de combustão interna, especialmente a gasóleo, cujas vendas têm caído fortemente nos últimos meses, com tendência para uma quota de mercado cada vez mais irrelevante”, sublinha.
“Esta situação”, reforça o responsável da UVE, “deve-se a uma maior consciência dos cidadãos e, também, às restrições que estão a ser aplicadas nas grandes cidades um pouco por toda a Europa e, seguramente, também serão aplicadas em Portugal”.
E vai mais longe: “Não sendo a desvalorização destes veículos mais impactante do que a desvalorização dos veículos com motores térmicos, não nos parece relevante a implementação de quaisquer medidas, que, aliás, seriam de aplicação muito complexa, para mitigar um problema que não nos parece significativo”, afirma. “Existe uma exceção, que é o preço de retoma que a Tesla adota. Como a marca não pretende envolver-se no mercado de usados, desvaloriza o preço de retoma com o sentido de desincentivar ficarem com carros usados”, admite Henrique Sánchez.
“De qualquer forma, os veículos da marca Tesla são muito valorizados no mercado, quer entre particulares, quer entre empresas que comercializem carros elétricos.”
A contínua baixa de preços dos carros elétricos novos por parte da Tesla, atualmente já seguida por outras marcas, “tem um impacto nos preços de revenda ou retoma, pressionando os preços em baixa, o que, não sendo positivo para a revenda dos carros elétricos, é muito positivo para os novos compradores de carros elétricos”, nota.
Porquê? “Porque o seu preço vai-se aproximando, rapidamente, do preço dos carros equivalentes com motores de combustão interna. Em alguns segmentos, até já são mais baratos os elétricos do que os térmicos”, frisa.