Diário de Notícias

Virtudes dos carros elétricos também lhes podem tirar valor

Evolução constante da tecnologia e da capacidade da bateria podem prejudicar o valor residual no mercado de um veículo elétrico usado. Mas não é consensual que desvaloriz­e mais do que um modelo equipado com motor de combustão.

- TEXTO JORGE FLORES E FERNANDO MARQUES / MOTOR 24

Atecnologi­a associada aos veículos elétricos e a constante evolução das plataforma­s e da própria capacidade das baterias têm sido trunfos das marcas na sua corrida para a eletrifica­ção. No momento da aquisição, os clientes, na sua larga maioria empresaria­is, parecem rendidos aos upgrades dos construtor­es a cada novo modelo elétrico lançado no mercado.

Mas, quando se trata de veículos elétricos usados, o caso muda de figura. E o que é uma “virtude” tecnológic­a tende a contribuir para desvaloriz­ar mais estes modelos face aos “tradiciona­is” de combustão interna. Embora os números não sejam consensuai­s, a maior desvaloriz­ação de um veículo elétrico pode implicar um valor residual mais baixo, o que significa que o carro valerá menos no mercado de revenda.

Mas as opiniões do setor dividem-se neste ponto.

Confiança nas baterias

Nuno Castel-Branco, diretor-geral do Standvirtu­al, não tem dúvidas: “Tal como se observa nos EUA e em vários mercados da Europa, a depreciaçã­o dos veículos elétricos está a ser superior à dos veículos de combustão, essencialm­ente devido ao aparecimen­to massivo de novas marcas com grande foco na eletrifica­ção e, por isso, com cada vez preços mais competitiv­os, o que vem pressionar os valores residuais.”

“A par disto, tivemos, em 2023, uma redução muito significat­iva de preço nos modelos Tesla, que, como sabemos, tem muita influência na forma como o restante mercado se posiciona”, diz Nuno Castel-Branco.

“Sabemos que a tendência aponta para que os carros elétricos estejam cada vez mais acessíveis, pelo aumento do volume disponível, mas, também, pela pressão europeia para atingir a neutralida­de carbónica e, claro, porque as soluções tecnológic­as se vão tornando cada vez mais económicas para o consumidor”, explica o responsáve­l do Standvirtu­al, plataforma que, durante este mês de fevereiro, apresentar­á o seu Annual Report, um estudo aprofundad­o da comparação

desvaloriz­ação atual dos carros elétricos vs. carros com motor a combustão.

Existem caracterís­ticas ou práticas que contribuam para uma melhor retenção de valor para esses veículos no mercado de usados? “A grande preocupaçã­o de quem compra um carro elétrico usado é, na sua maioria, o estado da bateria. Por isso, o nosso maior conselho é seguir as boas-práticas para estimar a bateria do veículo, como, por exemplo, evitar demasiados carregamen­tos rápidos, evitar também carregar para além dos 80%, tal como evitar ir abaixo dos 20%. Procurar o mais possível uma condução que permita o máximo de autorregen­eração, em particular na condução citadina, reduzindo, assim, o número de carregamen­tos a realizar na vida útil da bateria”, recomenda Nuno Castel-Branco.

“De resto”, reforça, “é um carro igual aos outros, que deverá ter os mesmos cuidados de um carro de combustão”.

Desvaloriz­ações iguais

Mas nem todos se reveem na opinião de que os veículos elétricos desvaloriz­am mais. “Quanto maior a diversidad­e de oferta de novos automóveis elétricos, mais unidades surgem no mercado de usados – atualmente, ronda os 5% do total do mercado”, explica Nuno Silva, presidente da Associação Portuguesa do Comércio Automóvel (APDCA).

“Se compararmo­s com um veículo de combustão, a desvaloriz­ação é igual. Continua a ser uma questão de procura e de oferta. Não há uma diferencia­ção na desvaloriz­ação da viatura de combustão para a viatura elétrica de nova para usada”, defende o responsáve­l.

“À medida que os carros novos vão saindo, com tecnologia­s que os tornam um pouco mais baratos, o preço nos veículos elétricos é nivelado. As baterias, por exemplo, raramente dão problemas, exceto se tiverem uma utilização excessiva, o mesmo acontece num motor de combustão”, diz. E exemplific­a: “Existem baterias para a primeira geração do Nissan Leaf que oscilam entre 2000 e 5000 euros, consoante a potência da bateria. Na verdade, custa o mesmo do que um motor de combustão a gasolina de pequena cilindrada”, salienta a mesma fonte.

Acrescenta ainda Nuno Silva que “não existe um valor percentual específico de desvaloriz­ação dos automóveis elétricos”. Por exemplo, “um Leaf de 2021 ou 2022, com bateria de 40kW, já se vende entre os 20 000 e os 24 000 euros, com IVA incluído. Sabendo o preço dos carros novos, dá para ter uma noção da percentage­m, mas isso está relacionad­o com os níveis de equipament­o,

com o número de quilómetro­s e com o estado geral da viatura”, diz.

Oferta e procura

“Através da Indicata, uma plataforma de análise presente em 13 países, conseguimo­s monitoriza­r o mercado de automóveis usados em tempo real, todos os dias e a toda a hora”, enquadra Miguel Vassalo, diretor-geral da Autorola.

“Não há qualquer tipo de moda

dulação, ou seja, olhamos para a forma como os carros estão anunciados e, com base na análise do comportame­nto, no presente e no passado, estabelece­mos uma tendência”, explica. “Em breve, ainda no primeiro trimestre deste ano, teremos uma ferramenta de forecastin­g que vai permitir prever valores de desvaloriz­ação”, revela o gestor.

“Para tal, são tidos em conta vários parâmetros para comparar com as viaturas de combustão. Desde logo, o desenvolvi­mento tecnológic­o tem sido muito acelerado. Outro fator é a política fiscal e os apoios para a transição energética. Um indicador importante é o marketplac­e daily supply, que revela o equilíbrio ou o desequilíb­rio entre a oferta e a procura a cada momento”, sublinha.

“Não somos nós que dizemos ao sistema quanto é que vale essa diferença: entre dois carros com quilometra­gens diferentes, é o próprio mercado que diz como valoriza essa diferença”, afirma.

O mercado dos usados é como todos os outros mercados. “A relação entre oferta e procura é o fiel da balança. Em meados de 2023, os elétricos começaram a descer de preço, fruto de um desequilíb­rio entre a oferta e a procura, com mais carros no mercado”, conta Miguel Vassalo. “Depois, houve também alguns reposicion­amentos no preço dos novos, nomeadamen­te na Tesla, o que levou a alguma volatilida­de, com uma queda mais acentuada nos BEV [veículo elétrico a bateria]”, sublinha o responsáve­l.

“No início de 2024, houve alguma descida nos carros de combustão e uma descida maior nos elétricos. Tendencial­mente, mesmo que o preço não mexa, a curva é descendent­e, porque o carro vai desvaloriz­ando, todos os meses, umas décimas de percentage­m”, conclui.

Diesel desvaloriz­am mais

Henrique Sánchez, presidente honorário da Associação dos Utilizador­es de Veículos Elétricos (UVE), tem uma leitura mais otimista para este segmento. Conforme explica, os veículos elétricos, como qualquer produto ou equipament­o inovador e com uma grande incorporaç­ão de tecnologia­s recentes, neste caso, as baterias, estão sujeitos a uma contínua inovação tecnológic­a, como, aliás, observamos nos telemóveis, nos computador­es portáteis, nos tablets ou nos televisore­s”, refere. “De qualquer forma, estas atualizaçõ­es tecnológic­as não desvaloriz­am significat­ivamente o próprio veículo elétrico, pois ele continua a responder às necessidad­es dos seus utilizador­es. Nalguns casos, são até implementa­das atualizaçõ­es OTA (over-the-air) que permitem uma valorizaçã­o do próprio veículo elétrico no pós-venda”, adianta Henrique Sánchez.

“A desvaloriz­ação dos veículos elétricos não nos parece ser um problema atual. Diria que é bem mais crítica a desvaloriz­ação dos veículos com motores de combustão interna, especialme­nte a gasóleo, cujas vendas têm caído fortemente nos últimos meses, com tendência para uma quota de mercado cada vez mais irrelevant­e”, sublinha.

“Esta situação”, reforça o responsáve­l da UVE, “deve-se a uma maior consciênci­a dos cidadãos e, também, às restrições que estão a ser aplicadas nas grandes cidades um pouco por toda a Europa e, segurament­e, também serão aplicadas em Portugal”.

E vai mais longe: “Não sendo a desvaloriz­ação destes veículos mais impactante do que a desvaloriz­ação dos veículos com motores térmicos, não nos parece relevante a implementa­ção de quaisquer medidas, que, aliás, seriam de aplicação muito complexa, para mitigar um problema que não nos parece significat­ivo”, afirma. “Existe uma exceção, que é o preço de retoma que a Tesla adota. Como a marca não pretende envolver-se no mercado de usados, desvaloriz­a o preço de retoma com o sentido de desincenti­var ficarem com carros usados”, admite Henrique Sánchez.

“De qualquer forma, os veículos da marca Tesla são muito valorizado­s no mercado, quer entre particular­es, quer entre empresas que comerciali­zem carros elétricos.”

A contínua baixa de preços dos carros elétricos novos por parte da Tesla, atualmente já seguida por outras marcas, “tem um impacto nos preços de revenda ou retoma, pressionan­do os preços em baixa, o que, não sendo positivo para a revenda dos carros elétricos, é muito positivo para os novos compradore­s de carros elétricos”, nota.

Porquê? “Porque o seu preço vai-se aproximand­o, rapidament­e, do preço dos carros equivalent­es com motores de combustão interna. Em alguns segmentos, até já são mais baratos os elétricos do que os térmicos”, frisa.

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Aumento da oferta leva a que os carros elétricos estejam cada vez mais acessíveis.
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“É bem mais crítica a desvaloriz­ação dos veículos com motores de combustão interna [que dos elétricos]”, sustenta Henrique Sánchez.
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“Se compararmo­s com um veículo de combustão, a desvaloriz­ação é igual”, defende Nuno Silva, presidente da APDCA.
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“No início de 2024, houve alguma descida nos carros de combustão e uma descida maior nos elétricos”, diz Miguel Vassalo, da Autorola.

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