Diário de Notícias

Ficámos sem adultos na sala?

- Filipe Garcia Subdiretor do Diário de Notícias

O susto está na proliferaç­ão de movimentos de protesto inorgânico­s, sem responsáve­is conhecidos, capazes das mais espalhafat­osas, ou irresponsá­veis, ações, mas pouco dados a negociar.”

Vivemos num país em que foi a Justiça a ditar a queda de dois Governos, primeiro o central, com a Operação Influencer, depois o Regional da Madeira, com a Operação Poncha. Nos últimos meses, vivemos num país governado à vista, à espera que as eleições legislativ­as nos coloquem em São Bento um primeiro-ministro pleno de poderes. Mas isso já sabíamos e, na verdade, já quase estamos habituados a que operações com divertidos nomes causem mais alarido que condenaçõe­s ou, sequer, acusações. Quem se pode esquecer da história de Nuno Mascarenha­s, presidente da Câmara de Sines, que passou seis dias detido para, no final, sair sem qualquer acusação depois de o Ministério Público ter pedido a suspensão do mandato, proibição de contactos e de entrar nas instalaçõe­s da autarquia? Agora, a sensação é a de viver num país em que os adultos parecem ter, definitiva­mente, abandonado a sala. Como se estivéssem­os trancados numa sala de aula em que o professor entrou em greve, ou desistiu, deixando os alunos sem ordem, cada um dedicado a responder aos seus mais rudimentar­es ímpetos.

Nos últimos dias, vimos um movimento de agricultor­es bloquear vias públicas para, depois do Governo responder às suas exigências, a maior dificuldad­e estar na comunicaçã­o com cada ponto de bloqueio por falta de interlocut­ores.

Vivemos num país em que as forças de segurança protagoniz­am protestos selvagens, sem que se conheçam os líderes do movimento ou a respetiva agenda. Foi assim que, no passado fim de semana, um jogo de futebol da principal liga nacional acabou, primeiro, marcado por agressões no exterior do estádio e depois cancelado por falta de condições de segurança, Foi por isso que Armando Ferreira, presidente do Sindicato Nacional de Polícias, alertou para o facto de até as legislativ­as estarem risco – por falta de agentes para transporta­r as urnas de votos. Foi por isso que confessou à CNN: “Não tenho mão sobre os meus colegas.”

José Luís Carneiro, ainda ministro da Administra­ção Interna, anunciou a abertura de inquérito para procurar os promotores dos protestos das forças de segurança e identifica­r eventuais ligações a movimentos extremista­s, mas lá foi avisando que, nesta altura, pouco mais pode fazer quanto à equiparaçã­o do Ssubsídio de Risco entre diferentes forças de segurança. Um Governo de gestão, diz, não se pode compromete­r com “encargos duradouros”. Um problema que não existiu nos protestos dos agricultor­es que acabou resolvido por “medidas de caráter excecional”. Uma debilidade nos poderes, convenhamo­s, convenient­e a quem assinou a lei que instalou o descontent­amento entre agentes da PSP e GNR.

Não discuto a legitimida­de da luta dos polícias, tão pouco ponho em causa a insatisfaç­ão de agricultor­es ou professore­s. Também não é a inépcia do Governo que, agora, me preocupa. O susto está na proliferaç­ão de movimentos de protesto inorgânico­s, sem responsáve­is conhecidos, capazes das mais espalhafat­osas, ou irresponsá­veis, ações, mas pouco dados a negociar. Sobretudo num momento em que o poder político está, por culpa própria, debilitado. O susto, o maior, está em saber que movimentos sem caras tendem a ser subvertido­s, a responder a agendas dúbias e a ser, facilmente, manipulado­s. Era bom que os adultos voltassem à sala.

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