Madeira. Albuquerque formaliza demissão e passa a liderar um “Governo de gestão”
Sem sucessor e a apontar eventuais eleições lá para o início do verão, o líder regional reuniu-se com o Representante da República, Ireneu Barreto, que aceitou a sua demissão lamentando que esta aconteça antes de ser aprovado o Orçamento Madeirense.
A deputada do PAN-Madeira, Mónica Freitas, afirmou ontem que únicas hipóteses são “haver um Governo de gestão ou, de facto, haver a nomeação de um novo Governo”, reafirmando que o seu partido vai manter o acordo de incidência parlamentar.
Ainda não foi ontem que ficou a conhecer-se o futuro para a governação da Madeira. O atual líder do Governo Regional, Miguel Albuquerque, reuniu-se no Palácio de São Lourenço, no Funchal, com o Representante da República, Ireneu Barreto, com dois objetivos: formalizar a sua demissão, pedida há uma semana, e apresentar a “metodologia” seguida pelos sociais-democratas madeirenses para responder à sua sucessão. Quanto a eleições antecipadas, só “lá para o verão”.
Na sexta-feira passada, a expectativa quanto ao resultado da reunião do Conselho Regional do PSD era grande, mas desse encontro saiu apenas a indicação de que o presidente demissionário do Executivo madeirense iria encontrar-se ontem com o representante da República. Repetindo a desilusão da sexta-feira passada, ontem ficou formalizada a demissão de Miguel Albuquerque, sem que lhe seja apontado um sucessor.
A acompanhar as palavras do ainda presidente do Governo Regional da Madeira, o decreto de exoneração de Miguel Albuquerque foi esta segunda-feira publicado em Diário da República, tal como prometera Irineu Barreto. O decreto assinado pelo Representante da República para a Madeira “produz efeitos imediatamente após a publicação”, o que faz com que o Governo de gestão anunciado ontem por Miguel Albuquerque seja agora oficial.
Quanto ao cenário possível de eleições regionais antecipadas, depois do último sufrágio ter acontecido no dia 24 de setembro de 2023, Albuquerque avisou, em declarações aos jornalistas à saída do encontro com Ireneu Barreto, que só deveria acontecer “lá para o verão”.
“As eleições antecipadas – é bom termos noção do que é que estamos a falar – serão lá para o verão e nós temos de continuar a governar a região. Agora, não é uma questão de querermos eleições já. Porque não é possível, neste momento, o Presidente da República, antes do dia 24 [de março], dissolver a Assembleia [Regional]. Portanto, se não é possível dissolver a Assembleia e convocar eleições, antes do 24, isto faz com que o novo Governo só tome posse lá para o princípio do verão. Isso significa que a região fica sem um Orçamento e sem um Governo durante este tempo todo. Não é possível. Isto traz graves prejuízos para a vivência económica e social dos madeirenses. Nós não podemos estar aqui a brincar aos partidos”, advertiu Miguel Albuquerque.
Questionado sobre se já tinha falado com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre a possibilidade de antecipar as eleições regionais, Miguel Albuquerque confirmou que, nesta fase, a decisão não passa pelo Chefe de Estado. “Eu não falei com o senhor Presidente da República, nem tenho que falar com o senhor Presidente da República. O senhor Presidente da República, neste momento, não tem qualquer possibilidade no quadro legal, constitucional, de dissolver a Assembleia. Nem faz sucessões em diferido, porque isso não existe. Nós temos de lidar com a realidade. Existe um quadro jurídico legal do direito democrático que encontra soluções. E essas soluções têm de ser encontradas no quadro legal que existe”, defendeu Miguel Albuquerque.
Com esta indefinição, sem sucessão para Miguel Albuquerque num curto prazo e sem eleições antecipadas nos próximos meses, entretanto também o Parlamento Madeirense não vai debater o Orçamento da região e as moções de censura apresentadas pelo PS e pelo Chega ao Governo Regional, anunciou ontem o presidente da Assembleia Regional da Madeira, José Manuel Rodrigues.
Quanto à solução para o arquipélago, Ireneu Barreto, depois da reunião com Miguel Albuquerque, através de um comunicado garantiu que vai começar a ouvir os partidos com assento na Assembleia Legislativa. Ireneu Barreto, na mesma nota, fez questão de salientar que a sua “principal preocupação” tem sido “salvaguardar a estabilidade económica e social da região autónoma”, pelo que considera que teria sido “muito importante a aprovação do Orçamento Regional antes de concretizada a presente demissão”. “Tal não foi assim entendido, o que muito lamenta”, acrescenta a nota do gabinete do Representante da República.
No que diz respeito aos partidos, é quase consensual a necessidade de realizar eleições antecipadas. Em comunicado, o PS defendeu ontem que “a demissão de Miguel Albuquerque não legitima a formação de um novo governo dentro do atual quadro parlamentar”. “Os eleitores têm uma palavra a dizer nesta crise que está a abalar a democracia e a confiança nas instituições”, sublinham os socialistas.
No final da semana passada, o ex-presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, reafirmou que “o PSD não pode dar qualquer imagem de ter receio do voto popular”.
Na mesma altura, também o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, afirmou que “só há uma saída, que é dar a voz ao povo, [convocando] eleições”.
O líder parlamentar do Chega-Madeira, Miguel Castro, também defendeu a antecipação do sufrágio na região. “Nós estamos a favor de eleições antecipadas, nós achamos, aliás, que o senhor Presidente da República, depois do dia 24 de março, não terá outra hipótese senão anunciar as eleições para a Madeira”.
Em sentido contrário, a deputada única do PAN-Madeira, Mónica Freitas, que foi uma das figuras mais destacadas no acordo de incidência parlamentar que permitiu à coligação entre PSD e CDS assumir a liderança do Executivo Regional, considerou uma “falácia” falar de eleições antes de dia 24 de março. “As hipóteses são haver um Governo de gestão ou, de facto, haver a nomeação de um novo Governo. O PAN, no âmbito do acordo de incidência parlamentar e como sempre manifestou, irá manter o acordo, tendo algumas condicionantes que têm de ser revistas face a algumas das medidas”, afirmou a deputada.
Ambos reconhecem que a missão não será fácil, pois desde 1976 eleger um deputado por Lisboa nunca implicou menos do que os 22.053 votos obtidos por André Ventura em 2019. Mas os cabeças de lista da coligação Alternativa 21 (Aliança-MPT), Nuno Pinto Afonso, e do recém-legalizado Nova Direita, Ossanda Liber, acreditam ser possível tornarem-se deputados a 10 de março, convencendo quem está desse lado do espetro político de que existe voto além da Aliança Democrática (AD) e do Chega.
Para Nuno Pinto Afonso, que antes da rutura com Ventura foi número 2 do Chega, enquanto vice-presidente e chefe de gabinete do grupo parlamentar, a receita para“captar todo o espaço da direita conservadora” envolve fazer passar a mensagem de que o partido que ajudou a fundar – e pelo qual se elegeu vereador da Câmara de Sintra, mantendo-se como independente, estatuto igual ao que tem nas listas da coligação – “não serve para nada a não ser para fazer barulho”.
Num vídeo que partilhou nas redes sociais, a anunciar a candidatura, Afonso descreveu o Chega como o partido “que, em quase cinco anos na Assembleia da República, não conseguiu aprovar uma única proposta e não conseguiu discutir de forma séria nenhuma das promessas que fez aos seus eleitores”. Aliás, o relacionamento com outros grupos parlamentares foi algo que o cabeça de lista da Alternativa 21 disse ao DN ter estado na origem de divergências com o líder do Chega: “Quem quer fazer passar propostas não pode querer que se sentem consigo aqueles a quem chamou corruptos e ladrões.”
Já para Ossanda Liber, que deu nas vistas nas autárquicas de 2021, com uma candidatura independente à Câmara de Lisboa que obteve poucos votos (864), mas serviu para a catapultar à vice-presidência do Aliança, o Nova Direita pretende oferecer ao eleitorado “um conservadorismo com coragem de falar abertamente sobre os temas”.
Além do “estado de inércia total desta AD que não entusiasma ninguém”, Liber procura eleitores que “não encontraram o que procuravam” no Chega. “Estamos a atrair todo o espetro da direita”, diz a líder do único novo partido nos boletins de voto – nos 18 círculos do continente e nos dois da emigração, ficando de fora nas regiões autónomas –, prevendo captar segmentos de eleitorado tendencialmente mais à esquerda, “pois estão carentes de representatividade ”. “Vamos ver como isto se traduz em votos”, resume a candidata nascida em Angola, que vai reforçar ações de campanha na linha de Sintra.
Em comum, além da capacidade de entendimento com a AD que dizem ser impossível para o Chega, os dois candidatos têm os “valores tradicionais” da direita conservadora e o foco nos problemas sentidos na saúde, habitação e educação. Liber quer uma “imigração seletiva”, enquanto Afonso aponta a escolha da ex-deputada do PAN Cristina Rodrigues como terceira da lista do Chega no Porto, após defender a interrupção voluntária da gravidez até às 16 semanas, como a prova de que o seu antigo partido “não é de direita nem de esquerda”.
Em comum, além da capacidade de fazer entendimentos com a AD, que dizem ser impossível para o Chega, os dois candidatos têm os “valores tradicionais” da direita.