Diário de Notícias

A hora das Academias

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

Este sábado são atribuídos os Goya, prémios do cinema espanhol. Depois seguem-se os prémios das academias inglesas e francesa. É a hora de ponta dos gostos dos académicos e podem ser pistas fortes para o que se passará nos Óscares em março, a academia americana. E há portuguese­s nomeados...

Para muitos são uma política de gosto, para outros uma ditadura, para a maioria, os prémios das academias são sobretudo mais uma etapa para a antecâmara dos Óscares. Um aperitivo que vale o que vale mas que nos últimos anos tem ganho um acentuado mediatismo. Estão aí a chegar os Goya, de Espanha, os Césares, de França e, mais tarde, os BAFTA, as distinções da Academia Britânica, essa sim mais em sintonia com a congénere de Hollywood.

Em Espanha a corrida aos prémios de uma academia demasiado formatada para o centralism­o de Madrid e Barcelona deixou praticamen­te de fora o vencedor da Concha de Ouro de San Sebastián, O Corno do Centeio, de Jaione Camborda, coprodução galaico-minhota com o carimbo de Rodrigo Areias. É já este sábado e à frente das nomeações estão 20 000 Espécies de Abelhas, de Estibaliz Urresola Solaguren, e A Sociedade da Neve, de J.A. Bayona, grande produção da Netflix que nos cinemas portuguese­s foi miseravelm­ente ignorada. Também muito bem lançado está Fechar os Olhos, de Victor Erice, a correr com 11 nomeações, por muitos considerad­o o Melhor Filme Espanhol do Ano.

Galiza esquecida

Nas injustiças das nomeações dos profission­ais do cinema espanhol é clamorosa a ausência de mais nomeações para Matria, de Álvaro Gago, outro filme galego que fez furor na Berlinale e que está apenas nomeado para Melhor Atriz, Maria Vasquéz, e Melhor Realizador Revelação. É pouco para um filme que reinventa um novo realismo. Sabe-se também que são poucos os votantes da região galega em oposição à grande maioria de madrilenos. Talvez por isso, as tendências de aclamação do gosto dos Goya estejam ainda amarradas a um desejo de supremacia industrial. E, em Espanha, temos mesmo indústria.

De Portugal, a gala de Valladolid vai ter uma atuação do músico Salvador Sobral e Alma Viva, de

Cristèle Alves Meira pode vencer na categoria de Melhor Filme Ibero-americano. A vitória é possível mas o favoritism­o pode estar do lado do documentár­io chileno, La Memória Infinita, de Maite Alberti, que é também favorito nos Óscares... No Goya de animação, o excelente Dispararon al Pianista, de Javier Mariscal e Fernando Trueba, tem tudo para ganhar e há uma quota portuguesa na coprodução.

A correr por fora nesta premiação acaba por estar o novo de Isabel Coixet, Un Amor, uma história de desejo sexual no feminino. Foi um dos filmes maiores do último Festival de San Sebastián e, infelizmen­te, não há distribuid­or português que pegue nele. Aliás, tudo o que é espanhol e não esteja embrulhado em pacote de prémios ou de nome consagrado acaba por ter dificuldad­es em chegar ao nosso país...

Em França Reino Animal Vs. a Queda...

Em França, os Césares são a 23 de fevereiro e nas nomeações houve já um golpe de teatro: Reino Animal, de Thomas Cailley, tem mais nomeações (12) do que Anatomia de Uma Queda, de Justine Triet, filme que foi um sucesso de público e crítica e que ameaça em Hollywood a hegemonia de Oppenheime­r, de Christophe­r Nolan. A fábula ecologista de Cailley é um daqueles casos de aclamação lenta depois de em Cannes ter apenas sido exibido na Quinzena dos Realizador­es. De facto, trata-se de um novo clássico do cinema francês, uma obra capaz de encenar um imaginário de fantasia. Curiosamen­te, em Portugal, depois da presença no MOTELx e no CineEco, traduziu-se num enorme falhanço de público. Ainda assim, Anatomia de Uma Queda, com 11 nomeações, pode vir a ser o rei da festa. Este thriller que em Portugal está longe dos lugares cimeiros dos mais vistos é já um caso de orgulho nacional. A vitória nos Césares serviria para um recado ao organismo estatal do cinema em França, o CNC, cuja comissão para escolha ao Óscar o ignorou em favor de O Sabor daVida, do vietnamita Tran Anh Hung. Aliás, esse filme com Binoche e o ex-companheir­o, Benoit Magimel, é o grande ausente desta lista.

No César de Melhor Esperança Masculina Milo Machado Graner, o menino cego de Anatomia de Uma Queda tem francas hipóteses. Recorde-se que este prodígio de agora 15 anos é de origens portuguesa­s e, recentemen­te, em entrevista ao DN, expressou o seu desejo de continuar a fazer cinema. O problema para Milo é a concorrênc­ia feroz dos excelentes irmãos Kircher: Paul,em Reino Animal, e Samuel, em NoVerão Passado, obra que foi também ignorada pelos cinéfilos portuguese­s.

Nos BAFTA a França também pode dominar

A 18 de fevereiro Londres recebe a 77.ª edição dos BAFTA, os prémios da Academia Britânica. Ao longo dos anos os votantes britânico têm feito uma curva interessan­te em direção ao cinema mais independen­te. Neste momento, mesmo com muita reverência ao cinema feito pelos estúdios de Hollywood, os BAFTA servem sobretudo para colocar no mapa novos autores. Isso e alavancar nomes britânicos em ascensão, ora veja-se o caso de Saltburn, de Emerald Fennell, produção britânica para a Prime que falhou as nomeações aos Óscares, mas que aqui consegue nomear Barry Keoghan, o irlandês que é deliciosam­ente sinistro como protagonis­ta, e também os secundário­s Jacob Elordi e Rosamund Pike. E, ao contrário da Academia de Hollywood, Margot Robbie em Barbie teve vaga na categoria de Melhor Atriz, mesmo com o reforço do afastament­o de Greta Gerwig como realizador­a. Aí, muito justamente, terá dado a vaga a Andrew Haigh, de All of Us Strangers, o filme mais escandalos­amente afastado dos Óscares este ano.

Nas surpresas destes BAFTA está o nome de Vivian Oparah, de Rye Lane, de Raine Allen-Miller, filme também nomeado para melhor obra britânica, onde concorre ao lado da coqueluche How To Have Sex, de Molly Manning Walker, Wonka, de Paul King, e Napoleão, de Ridley Scott – sim, nesta categoria há que agradar a todos os espetros da indústria...

Seja como for, Anatomia de Uma Queda e Oppenheime­r estão também aqui num duelo feroz.

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Milo Machado Graner, meninoluso­descenden te, de Famalicão, fabuloso em Anatomia de Uma Queda, está nomeado ao César de revelação.
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Ignorado nos Óscares, Barry Keoghan e o seu “senhor Ripley” de Saltburn, vão ter exposição nos BAFTA.

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