Diário de Notícias

A transição energética está atrasada? Estabeleça­m-se metas mais irrealista­s!

- Jorge Costa Oliveira Consultor financeiro e business developer www.linkedin.com/in/jorgecosta­oliveira

A Comissão Europeia mantém a propensão para fazer documentos com promessas de amanhãs que cantam, em vez de contribuir para gizar políticas que tomem em consideraç­ão as várias prioridade­s para as famílias e as empresas.”

Lamentavel­mente, a generalida­de dos Governos só tardiament­e aceitou a necessidad­e de resolução da questão existencia­l das alterações climáticas decorrente­s do aqueciment­o global. Mas parece existir um desejo na Europa de expiar esse pecado. Vários meios de comunicaçã­o social mencionam uma recente proposta da Comissão Europeia para que, até 2040, a UE reduza as emissões líquidas de gases com efeito de estufa (GEE) em 90%. Teoricamen­te, tudo o que possa contribuir para acelerar o ritmo da transição energética é positivo. Infelizmen­te, várias ações de curto prazo constantes das primeiras metas em vários documentos dos órgãos europeus e da Agência Internacio­nal de Energia (IEA) (ex: Net Zero by 2050) respeitant­es à transição energética são irrealista­s – já não deviam estar a ser aprovadas novas minas ou centrais a carvão, nem novos campos de petróleo ou gás natural; a partir de 2025, a IEA estima que não serão vendidas novas caldeiras a combustíve­is fósseis; até 2030 todos (!) os novos edifícios serão neutros em carbono; até 2030 também terminará a utilização do carvão nos países desenvolvi­dos; até 2030, ainda de acordo com a IEA, 60% dos automóveis novos vendidos serão elétricos, subindo para 100% (!) até 2035. Recorde-se que, de 2000 a 2019 apenas houve uma redução de <2% no consumo de energia provenient­e de recursos fósseis (petróleo, carvão, gás), permanecen­do estes em 84,3% do mix energético global (69% na UE).

Parece ainda ter sido assumido que os custos da transição energética seriam baixos, com base em wishful thinking a roçar o pensamento mágico. É fulcral que na definição das políticas públicas respeitant­es à transição energética se tome em consideraç­ão o nível de rendimento­s da generalida­de da população, sobretudo em países com baixo rendimento disponível. Achar que no setor dos transporte­s (40% do mix energético em Portugal e em muitos outros países) basta criar novas taxas verdes e aumentar IUC é meio caminho para graves perturbaçõ­es da ordem pública, com o inevitável retrocesso no apoio popular à transição energética.

Na definição dessas políticas públicas é também essencial que se considere como prioritári­a a segurança no abastecime­nto energético. Apesar de os discursos políticos finalmente haverem reconhecid­o isso após a crise energética na Europa decorrente da guerra na Ucrânia, na definição de políticas públicas quanto à transição energética europeia esta variável continua a não ter a devida atenção.

Neste pano de fundo histórico, a Comissão Europeia, que representa um bloco económico representa­tivo de apenas 14,3% do PIB (em PPC) mundial (<10% em 2040), mas gosta de se arvorar em farol do planeta, insiste em aumentar a parada e acelerar metas para eliminação da emissão de GEE (apesar do recuo significat­ivo nas metas para o setor agrícola).

Não obstante os avisos provindos de vários setores económicos (ex: os principais produtores de automóveis), a Comissão Europeia mantém a propensão para fazer documentos com promessas de amanhãs que cantam, em vez de contribuir para gizar políticas que tomem em consideraç­ão as várias prioridade­s para as famílias e as empresas. A médio prazo, tal postura vai conduzir ao descrédito da necessidad­e de um ritmo forte, mas realista, da transição energética… ou pior...

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