A transição energética está atrasada? Estabeleçam-se metas mais irrealistas!
A Comissão Europeia mantém a propensão para fazer documentos com promessas de amanhãs que cantam, em vez de contribuir para gizar políticas que tomem em consideração as várias prioridades para as famílias e as empresas.”
Lamentavelmente, a generalidade dos Governos só tardiamente aceitou a necessidade de resolução da questão existencial das alterações climáticas decorrentes do aquecimento global. Mas parece existir um desejo na Europa de expiar esse pecado. Vários meios de comunicação social mencionam uma recente proposta da Comissão Europeia para que, até 2040, a UE reduza as emissões líquidas de gases com efeito de estufa (GEE) em 90%. Teoricamente, tudo o que possa contribuir para acelerar o ritmo da transição energética é positivo. Infelizmente, várias ações de curto prazo constantes das primeiras metas em vários documentos dos órgãos europeus e da Agência Internacional de Energia (IEA) (ex: Net Zero by 2050) respeitantes à transição energética são irrealistas – já não deviam estar a ser aprovadas novas minas ou centrais a carvão, nem novos campos de petróleo ou gás natural; a partir de 2025, a IEA estima que não serão vendidas novas caldeiras a combustíveis fósseis; até 2030 todos (!) os novos edifícios serão neutros em carbono; até 2030 também terminará a utilização do carvão nos países desenvolvidos; até 2030, ainda de acordo com a IEA, 60% dos automóveis novos vendidos serão elétricos, subindo para 100% (!) até 2035. Recorde-se que, de 2000 a 2019 apenas houve uma redução de <2% no consumo de energia proveniente de recursos fósseis (petróleo, carvão, gás), permanecendo estes em 84,3% do mix energético global (69% na UE).
Parece ainda ter sido assumido que os custos da transição energética seriam baixos, com base em wishful thinking a roçar o pensamento mágico. É fulcral que na definição das políticas públicas respeitantes à transição energética se tome em consideração o nível de rendimentos da generalidade da população, sobretudo em países com baixo rendimento disponível. Achar que no setor dos transportes (40% do mix energético em Portugal e em muitos outros países) basta criar novas taxas verdes e aumentar IUC é meio caminho para graves perturbações da ordem pública, com o inevitável retrocesso no apoio popular à transição energética.
Na definição dessas políticas públicas é também essencial que se considere como prioritária a segurança no abastecimento energético. Apesar de os discursos políticos finalmente haverem reconhecido isso após a crise energética na Europa decorrente da guerra na Ucrânia, na definição de políticas públicas quanto à transição energética europeia esta variável continua a não ter a devida atenção.
Neste pano de fundo histórico, a Comissão Europeia, que representa um bloco económico representativo de apenas 14,3% do PIB (em PPC) mundial (<10% em 2040), mas gosta de se arvorar em farol do planeta, insiste em aumentar a parada e acelerar metas para eliminação da emissão de GEE (apesar do recuo significativo nas metas para o setor agrícola).
Não obstante os avisos provindos de vários setores económicos (ex: os principais produtores de automóveis), a Comissão Europeia mantém a propensão para fazer documentos com promessas de amanhãs que cantam, em vez de contribuir para gizar políticas que tomem em consideração as várias prioridades para as famílias e as empresas. A médio prazo, tal postura vai conduzir ao descrédito da necessidade de um ritmo forte, mas realista, da transição energética… ou pior...