Banguecoque numa esquina de Lisboa
Leonor Teles estreia-se na longa-metragem de ficção com Baan, um filme cujo mapa de emoções oscila entre a Tailândia e Portugal: a sua viagem afetiva é também uma maneira de resistir aos clichés de representação dos mais jovens.
Arepresentação da “juventude” no mais recente cinema português (incluindo em filmes com assinatura dos que a ela pertencem) está pontuada por um rol de clichés que não é fácil contrariar — daí as aspas, quanto mais não seja para respeitarmos os contrastes e contradições de qualquer geração. Entre rótulos simplistas de “desencanto” ou “rebeldia”, favorecidos pela dominação dos valores televisivos, parece não haver espaço, nem desejo, para… contar histórias. Nas suas imperfeições e fragilidades, o filme Baan, estreia de Leonor Teles na longa-metragem de ficção, é uma tocante e feliz tentativa de contrariar tais clichés, até porque nos revela uma verdadeira presença de cinema: Carolina Miragaia, no papel da personagem central (identificada apenas pela letra L), possui essa qualidade rara de se expor como mistério para a câmara, no polo oposto aos “jovens” intérpretes que, na rotina das telenovelas, foram ensinados a fingir um naturalismo sem alma.
A relação de L com K, uma jovem tailandesa (também identificada apenas por uma letra), interpretada pela igualmente talentosa Meghna Lall, desenvolve-se, assim, como o assunto central de um melodrama muito concreto — as interrogações impostas pela idade adulta, a dificuldade de arranjar emprego, a possibilidade de uma vida partilhada, etc. — que, momento a momento, se apresenta seduzido pela abstração poética.
Além de coautora do argumento, com Ágata de Pinho e Francisco Mira Godinho, Leonor Teles acumula a direção fotográfica, tarefa em que tem, aliás, uma carreira significativa (incluindo o díptico Viver Mal/Mal
Viver, de João Canijo). E escusado será dizer que o tratamento da luz e das cores, tirando partido do grão e da densidade muito particular da película Super 16, é tudo menos indiferente na encenação do ziguezague de encontros e desencontros entre L e K.
Que acontece, então? São gestos e comportamentos de um quotidiano ferido por uma questão por resolver, tanto em termos logísticos, como afetivos. A saber: em que casa viver? O título remete para isso mesmo —“baan” significa casa, em tailandês —, como se o próprio filme fosse o reconhecimento de que o cinema é também uma maneira de encontrar imagens e sons que possamos habitar. Fernando Lopes (1935-2012), cineasta sempre marcado por essa mágoa de não haver uma casa capaz de acolher os nossos medos e desejos — lembremos o exemplo emblemático de Uma Abelha na Chuva (1972) — gostava de dizer que um filme era como um mapa que “inventa a sua própria geografia”.
Daí a estranheza (forma de ternura) com que Baan viaja, literalmente, entre a Tailândia e Portugal, mais precisamente, Banguecoque e Lisboa. Numa primeira aproximação, diríamos que esse vaivém resulta da própria história de L e K. O certo é que Leonor Teles trata as duas cidades como cenários tão realistas quanto imaginários, de tal modo que uma delas pode aparecer quando viramos uma esquina da outra. Em termos cinematográficos, isso chama-se montagem (assinada por Lívia Serpa e Sandra T.) e é também uma maneira de resistir aos clichés narrativos do nosso tempo mediático.